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    Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre

    O feminino e a serenidade

    por Barbara Demerov

    É algo realmente precioso o que a diretora Eliza Hittman desempenha em seu novo filme. Ela se beneficia de seu roteiro focado e minimalista para exprimir o máximo de emoção em situações que, quando não são difíceis de lidar, são completamente cotidianas. São discrepâncias que se conectam. As imagens que registra dizem tudo sem que muitas palavras sejam necessárias, sem exceção - e a dupla principal de atrizes reafirma isso a todo o momento em que se entreolha.

    Estes são alguns dos méritos de Never Rarely Sometimes Always, que conta a jornada de alguns dias de Autumn (Sidney Flanigan), jovem que decide abortar sua gravidez aos 17 anos. Para isso, ela tem a companhia exclusiva : a de sua prima Skylar (Talia Ryder), que não precisa ouvir muitas explicações para saber que deve permanecer ao lado de Autumn naquele momento importante. A relação consiste em muita parceria, olhares com significado profundo e apertos de mão que transmitem força mútua -- algo muito bonito de se observar.

    Desde o princípio da história, o filme retrata os homens como a última companhia que as duas jovens parecem querer para si. Mas Hittman não utiliza tal abordagem como forma de atacar a masculinidade; olhando por outro viés, ela faz isso para mostrar justamente o que mais machuca Autumn e Sidney por dentro. Autumn sequer fala com o pai, enquanto Sidney não demonstra o mínimo de interesse pelo garoto que a aborda no ônibus. As primas têm o mesmo chefe num emprego como caixas de supermercado -- este que, todos os dias, beija a mão de ambas como forma de imposição sexual, não por agradecimento.

    São nos momentos como os do chefe agarrando suas mãos que vemos, nos olhares de cada uma, a trágica compreensão de que não adianta tentar fazer com que algo mude neste cenário. Autumn e Sidney sabem que não podem fazer nada ali, e por isso optam pelo escudo da tranquilidade e discrição, fingindo que nada está acontecendo. Ou pode ser que a repulsa já baste para que elas não liguem para nada, simplesmente porque têm uma a outra. Flanigan e Ryder merecem bastante atenção por executarem de forma tão sensível e impactante as nuances do que é ser mulher, além de serem capazes de transformar um triste diálogo em algo tão simples e comprimido -- tais quais suas emoções.

    Never Rarely Sometimes Always faz uma mistura cautelosa (mas também poderosa) de elementos que discutem aborto, amizade e machismo de forma tão pessoal quanto universal. Ao selecionar o retrato de uma jovem que se vê de um dia para o outro numa encruzilhada, tentando compreender o que está acontecendo ao mesmo tempo que age com normalidade para quem está ouvindo, Hittman atravessa as paredes do feminino e alcança uma versão crua do cotidiano, sem romantismo ou falsas esperanças, mas preenchendo uma lacuna vazia com um forte vínculo e afeição.

    Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.

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