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    Maria Luiza
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Maria Luiza

    Identidade própria

    por Barbara Demerov

    O que faz de alguém um homem ou uma mulher? Essa pergunta complexa é feita em dado momento no documentário Maria Luiza, justamente para que o espectador passe a refletir sobre identidade de gênero. Quem questiona isso é um psiquiatra transgênero, um dos entrevistados, mostrando que o que pode parecer simples nem sempre é executado desta forma. A protagonista (que dá título ao filme) sabe muito bem disso. Nascida homem mas sem nunca ter tido a vontade de viver como um, Maria Luiza acabou entendendo que sua natureza, por mais natural e sincera que possa ser em seu âmago, não pode ser simplificada em apenas uma frase.

    Colocando em foco o lado mais pessoal de Maria Luiza desde sua infância até o momento em que recebeu seu RG atualizado com o nome após a cirurgia de mudança de sexo, o documentário poderia não ter tanto impacto caso a protagonista não fosse tão intrigante. Se hoje ela é tida como alvo de homofóbicos e intolerantes à diferença, ontem ela foi um homem militar e um dos melhores da turma. Essa dualidade dá muita potência à obra, mas não é o ponto central.

    Por mais envolvente que seja ouvir sua experiência de vida antes e depois da transição de sexo, os depoimentos de Maria Luiza vão se misturando em uma série de diferentes etapas e aos poucos perdem um pouco da força - especialmente pela montagem não ser exatamente tão clara para explicar em qual momento de sua história tal fato aconteceu. No entanto, tal problema consegue se esconder quando ouvimos Maria falar com detalhes sobre seus sentimentos para determinada situação; seja ela de abuso, ameaça ou puro medo interno. Uma boa narradora, é como se estivéssemos vendo o que ela passou através de suas fortes palavras.

    Apesar de possuir momentos de muita tensão quando a protagonista relembra seus dias no Exército - ou quando já estava com o processo aberto após sua aposentadoria forçada por invalidez -, há também diversas passagens que mostram sua doçura e inocência perante à sua verdadeira natureza. Momentos tristes também não faltam, como quando Maria conta que, na juventude e ainda antes da cirurgia, sentiu verdadeiramente que estava grávida.

    A truculência militar é apresentada por meio do comportamento que tiveram com a personagem durante o processo judicial, e também com os depoimentos de quem a defendeu com muito esforço para que ela, enfim, conseguisse conquistar o direito mínimo: uma identidade digna de sua natureza e o reconhecimento do Exército como a primeira militar trans do Brasil. Há certa poesia quando vemos, seja no início ou no desfecho, o brilho no olhar e o sorriso estampado no rosto de Maria Luiza.

    Filme visto na 24ª edição do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários, em abril de 2019.

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