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    Niède
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Niède

    Descobrindo e preservando

    por Barbara Demerov

    Quando a personagem principal de um documentário possui um background extenso e uma história que já vive e pode ser contada através de lugares, já temos um ótimo ponto de partida. Niède desenvolve com calma a amplitude da carreira da arqueóloga Niède Guidon, que modificou o que já havia sido comprovado pela História, fazendo com que os estudiosos e a sociedade pensassem diferente. Devido aos seus estudos e trabalhos de campo no Piauí, ela provou que o povoamento no continente americano aconteceu muito antes do que fora datado.

    O documentário de Tiago Tambelli transcorre praticamente cinquenta décadas de trabalho incessante de Niède, além de mostrar o que ele significou não só para o nordeste do Brasil como também para o mundo ao incluir depoimentos de um arqueólogo francês. Costurando depoimentos de Niède com uma bela composição de imagens de arquivo das décadas de 60/70, a história mescla um ritmo ora espaçado (feito para que apreciemos as paisagens registradas), ora mais ágil, devido às inúmeras informações dadas pela protagonista seja no presente ou nas imagens do passado.

    O mais interessante é que a montagem de Niède insere tão bem suas filmagens antigas que elas mesmas parecem ficção; é muito instigante acompanhar, mesmo que em imagens com mais ruído, as aventuras da arqueóloga e sua equipe dentro das matas do Piauí, explorando até mesmo as mais imensas pedras à procura do que o tempo foi vedando após a pré-história.

    A força de vontade da profissional vai se revelando cada vez mais presente na narrativa, que não tarda em exibir os resultados negativos de tal característica. Por descobrir tantos artefatos, desenhos e outras provas de que a vida no continente começou muito tempo antes, a criação de um parque para proteger tais terras era algo inevitável. O Parque Nacional Serra da Capivara continua sendo muito visitado e elogiado pelo mundo, mas na época de sua criação, em 1979, foi preciso evacuar a população que morava ali há décadas. A própria Niède fala abertamente sobre o caso – assim como um morador que passou por todo o drama de não ter onde morar, sem entender por quê a arqueologia estava acima de um lar. A produção "brinca" com esta participação; um contraste à imagem relevante que Niède construiu ao longo dos anos e que também teve de passar por ameaças, incluindo de morte.

    Niède também se adentra bastante no debate de cuidar não só da natureza como também do nosso passado – indo muito além do Brasil, como bem indica os depoimentos do arqueólogo francês já citado. O arranjo de temas dentro do mesmo documentário (que possui uma duração extensa e necessária) compõe uma gama de profundidade tão marcante quanto as cavernas que Niède desbravou. Sem torná-la uma mártir por lutar tanto pelo reconhecimento de seu trabalho, e sem colocá-la num pedestal por ter feito de terras esquecidas a um lugar renomado mundialmente, a narrativa, no fim, mantém-se no ponto de retratar a vida de alguém completamente dedicada a um trabalho que é intrínseco para que entendamos mais da origem de ser humano.

    Filme visto na 24ª edição do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários, em abril de 2019.

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