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    Aretha Franklin: Amazing Grace
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Aretha Franklin: Amazing Grace

    Catarse coletiva

    por Laysa Zanetti

    Em janeiro de 1972, Aretha Franklin gravou na Igreja Batista Missionária do Novo Templo, em Los Angeles, um dos álbuns mais celebrados de sua carreira, “Amazing Grace”. Trata-se até hoje de um dos álbuns gospel mais vendidos da história, que foi gravado junto a um registro em documentário, que segundo os planos seria lançado como uma forma de alavancar as vendas do disco. No entanto, Sydney Pollack não usou claquetes entre um take e outro, o que impossibilitou a sincronização de imagem e áudio e fez com que Aretha vetasse o lançamento da obra até o final de sua vida. 

    47 anos depois, Aretha Franklin: Amazing Grace enfim ganha as telas em sua versão original. São duas noites seguidas em que o coral da  igreja se une à rainha do soul para um registro memorável que se destaca por dar vazão a um testemunho impressionante de um momento de catarse coletiva, comunhão e, acima de tudo isso, muita honestidade. Trata-se de uma narrativa nua e crua, que ganha destaque justamente pelo sentimento de união transmitido na ideia de um grupo de pessoas extremamente apaixonadas e completamente entregues ao momento. 

    Este é o ponto alto do registro feito em Amazing Grace. Naturalmente, a voz de Aretha Franklin que ecoa e retumba à perfeição pelos quatro cantos daquele local de culto ajuda (e muito) a compor uma sensação de estarmos diante de um momento quase mágico. É impossível não sentir o impacto e a importância daquela experiência, tanto para ela quanto para o público presente, que vai aos poucos ficando mais e mais confortável diante daquela figura agigantada. Esse nível de conforto vai se revelando justamente nas tomadas, mais e mais intimistas — sobretudo no segundo dia. 

    O projeto de Franklin era, após já ter a carreira amplamente consolidada, abrir um espaço em sua própria história para mostrar aquilo que serviu de base para a sua rica trajetória, o meio gospel. Por isso a escolha da apresentação dentro da igreja, e também é por isso que o registro se atém às características mais irredutíveis da apresentação ao vivo, no sentido mais cru do formato. Não há narrações em off, não há entrevistas, há pouquíssimas cenas de bastidores — é uma decisão que serve para amplificar a conexão do espectador externo ao momento, e isso fica claro à medida que os close ups vão ficando mais e mais próximos e menos temerosos. A liberdade da câmera de Pollack, por outro lado, torna essa desejada conexão algo difícil de alcançar, justamente porque muitas vezes é impossível saber o que ele realmente quer e para onde de fato deseja levar o público.

    Naturalmente, apesar de eventuais problemas nesta montagem dispersa, Aretha Franklin segura toda a condução com um vocal impecável, com controle absoluto do início ao fim de sua respiração, das reações dos fiéis presentes e de sua própria disposição. Mesmo assim, apesar da história fantástica e de uma jornada quase bíblica que leva o documentário enfim às telas após mais de 40 anos das fatídicas noites em que foi filmado, está longe de ser um dos documentários musicais mais perspicazes da história — a ausência da contextualização da carreira de Aretha, do papel da fé e da religião em sua vida e de mais momentos de bastidores é naturalmente uma escolha editorial que foi feita de forma consciente, mas deixa todo o projeto um tanto quanto deslocado, ainda que o vozeirão de Aretha Franklin prometa reverberar no coração.

    Filme visto no 21º Festival do Rio, em dezembro de 2019.

     

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