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    A Rainha do Medo
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    A Rainha do Medo

    A segurança do saber fazer

    por Taiani Mendes

    Valeria Bertuccelli, atriz argentina com mais de 20 anos de carreira, estreia na direção e como roteirista investindo num tema tão óbvio para tal quanto ardiloso: a vida de atriz. Às vésperas da estreia de seu monólogo, amplamente divulgado e com alto investimento, Robertina (interpretada por ela) nunca vai ensaiar. Sofre com quedas de energia em casa; acaba de ser abandonada pelo marido; o negligenciado melhor amigo está morrendo de câncer em outro continente; e mal tem controle do que seus funcionários fazem. É atraída pelo pavor e desafiada pela ameaça. Rober para os íntimos, Tina para o grande público.

    Ao estilo Valeria Bruni Tedeschi (Atrizes) de exploração desglamourizada das neuroses da vida dedicada à atuação, trocando o tom cômico da italiana por certo suspense ancorado na imprevisibilidade de seus dramas e próximos passos, A Rainha do Medo, codirigido por Fabiana Tiscornia, coloca o espectador no encalço de uma intérprete intensa nos sentimentos, o principal deles sendo o stage fright.

    Forjado em dicotomias desde o título, afinal ser performer carrega a dualidade da realidade e ficção, personagem e atriz - reforçada pelos dois apelidos, sublinhando como que uma dupla personalidade -, o filme segue essa linha também em termos de imagem, abrindo com o mistério do breu e da procura, contraposto ao branco da manhã invadindo a casa na sequência seguinte, quando Robertina sabe exatamente que agenda deve cumprir.

    Sempre ao celular, recebendo demandas e comentando da correria, mas raramente fazendo algo ativamente que não seja fugir, a protagonista é um exemplo de irresponsabilidade e/ou responsabilidade direcionada equivocadamente, numa ansiosa inquietação confusa e comovente que Valeria assume em interpretação tragicômica que faz lembrar alguns trabalhos de Isabelle Carré, só que com restrição de sorrisos - há um hilário trecho sobre dentes de Photoshop, inclusive.

    A Rainha do Medo às vezes assemelha-se a dois filmes em um, tal é a forma como se abandona nos escapes de Tina (especialmente a relação com o amigo Lisandro), frustrando o público que espera apenas se divertir com seu caótico processo criativo, com mais momentos como o que envolve uma árvore no palco do teatro, por exemplo. Como a protagonista, no entanto, o longa-metragem é capaz de arrepiar quando necessário, pois o talento existe sob a crise.

    O antes, durante e depois da noite de abertura definem uma personagem brilhante que Bertuccelli, em compartilhamento que beira o incômodo, usa para retratar o indizível e o inacessível ou inimaginável para muitas pessoas. Promissora guinada da argentina para o outro lado das câmeras, A Rainha do Medo mostra como pode ser apavorante e entediante a vida de atriz, como de qualquer outra mulher.

    Filme visto no 20º Festival do Rio, em novembro de 2018.

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