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    Caminhos Magnétykos
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Caminhos Magnétykos

    Como filmar um pesadelo

    por Bruno Carmelo

    Em pleno século XXI, de que maneira filmar os medos específicos dos nossos tempos? Não apenas a falta de emprego ou falta de amor, mas o medo dos regimes totalitários, o receio de ser atacado na rua, o pavor de ver sua filha casada com um homem ganancioso e desprezível – ilustrado, neste filme, por Donald Trump? O diretor Edgar Pêra decide que o realismo não dá conta de tamanhas barbaridades cotidianas. Então, inventa um dispositivo grosseiramente artificial, circense, exagerado.

    Caminhos Magnéticos é constituído de cenários amadores, quartos com aparência de estúdio, imagens do fundo do mar projetadas às paredes. Principalmente, quase todas as cenas são compostas por sobreposições de dois ou mais planos. O resultado é curioso, deliberadamente confuso. Quase toda a poesia visual deste projeto é construída na pós-produção, através da montagem, e não in loco, durante as filmagens. Por isso, o filme de baixo orçamento guarda alguma semelhança com os blockbusters cheios de efeitos visuais, no sentido que suas imagens parecem falsas, virtuais. No caso de Pêra, ao menos, a irrealidade é utilizada como discurso crítico à contemporaneidade.

    Embora a estética constitua uma personagem muito mais importante do que a trama – baseada em Branquinho da Fonseca -, pode-se dizer que o roteiro apresenta a história de Raymond (Dominique Pinon), um homem na faixa dos 50 anos de idade, antigo revolucionário convertido em capitalista padrão. Ao mesmo tempo em que seu país passa a ser governado por fascistas, sua filha se casa com um empresário rico e perverso, para quem “a sociedade só vai sobreviver se o altruísmo for erradicado”. Em crise, Raymond se embebeda durante a festa de casamento e caminha pelas ruas de Lisboa. Logo, se transforma na figura profética do bêbado/louco das praças públicas, discursando aos berros, e sem grande coerência, acerca da decadência social.

    Pinon, veterano do cinema francês, está bastante acostumado a personagens antinaturalistas, e se revela uma ótima escolha para o papel. O ator vai literal e figurativamente despindo seu personagem de qualquer orgulho, até se sujar e se conectar com suas verdadeiras crenças políticas. Ney Matogrosso, interpretando o líder de um grupo revolucionário, decepciona. Apesar de se tratar de um ícone das artes, seu personagem exigiria uma técnica dramática mais apurada para transmitir o furor de um líder capaz de mobilizar as massas, algo que a voz do cantor jamais atinge. Os demais atores estão encarregados de interpretar os estereótipos do empresário malvado, a esposa-troféu e a filha ingênua, com resultados satisfatórios. Por nos encontrarmos dentro do pesadelo de um homem bêbado, as caracterizações exageradas se justificam.

    Um dos aspectos mais marcantes de Caminhos Magnéticos é o fato de propor, ao mesmo tempo, um cinema crítico “de arte” (entenda-se: um tanto hermético, exigindo participação ativa do espectador para desvendar os sentidos abaixo da superfície), e um cinema incrivelmente jovem, colorido, fragmentado, com estética de videoclipe, músicas da moda, e uma tendência a abraçar o pop, o ridículo, o autoparódico. O projeto deve provocar os mais diversos espectadores, tanto pela forma quanto pelo conteúdo, ambos de forte teor político e satírico. Para imergir no filme, é preciso delirar com os personagens.

    Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.

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    Comentários

    • Rafael Caminhante
      Faz um laboratório com o Ney, com roteiro dele. Aposto que ele convenceria você. Crítica caolha hein...
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