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    A História da Pedra
    Críticas AdoroCinema
    1,0
    Muito ruim
    A História da Pedra

    A vida gay é uma festa?

    por Bruno Carmelo

    Neste drama de Taiwan, 95% dos personagens são homens musculosos, gays, de classe média alta. A rotina dos rapazes se resume a pular de um bar para uma festa, da academia para as lojas, da cama de um motel para a cama de uma sauna. Beija-se pouco, apaixona-se ainda menos. Eles praticam sexo com certa frequência, porém falam de sexo o tempo inteiro: um entregador de encomendas é rapidamente assediado pelos funcionários do Stone Bar, um garoto bêbado tem sua roupa arrancada enquanto dorme, e cada corpo passando pela rua torna-se uma presa em potencial. Apesar de muito parecidos, estes corpos nus e seminus são comparados pelas medidas do abdômen, peitoral, glúteos, pênis.

    Em A História da Pedra, não há preconceito contra os gays, até porque todos os personagens são homossexuais. Tampouco há conflitos relevantes envolvendo religião, família, trabalho. O diretor Starr Wu mergulha num universo-bolha onde os homens gays são intercambiáveis, tendo como conflito único a vontade de fazer sexo uns com os outros. Por um lado, é bom que este universo seja retratado no cinema: os guetos de fato existem, cumprem uma função social importante – é reconfortante sentir-se amparado pelos seus, num lugar seguro e sem julgamentos –, além disso, entre os diversos comportamentos possíveis de homens homossexuais, existem aqueles cuja vida se limita a festas, drogas e sexo.

    Ou seja, o problema não se encontra na irrealidade deste ambiente, e sim na apresentação do mesmo como único modelo possível de vida afetiva. As dezenas de rapazes que desfilam pela tela inexistem fora da luz neon e do gelo seco. A leve sugestão de um romance entre Lin e Josh mal se desenvolve, porque os garotos atravessam tantos encontros que não têm tempo para expressar qualquer carinho verdadeiro um pelo outro. Os sentimentos são abandonados em prol das aparências, dos prazeres superficiais e efêmeros. Este contexto poderia ser criticado, ou ao menos relativizado pelo projeto. No entanto, Wu faz questão de retratar a rotina hedonista como algo desejável, divertido, além de leve e inconsequente – durante três quartos da trama, pelo menos.

    Em termos estéticos, o cineasta incorpora ao filme a estética da boate: a música irrompe dezenas de vezes, em volume muito mais alto do que os diálogos que a antecedem; a luz se apaga e se acende como nos efeitos de uma casa noturna; a imagem alterna entre o colorido e o preto e branco, entre a tela cheia e a tela fragmentada ou reduzida. Nenhum destes recursos proporciona uma mudança significativa na trama, tampouco serve para organizar a bagunça do entra e sai de uma dúzia de personagens. Somando-se aos diálogos grosseiros, que buscam extrair humor de uma suposta superficialidade dos gays (“Por que você é gentil comigo se sabe que nós dois somos ativos?”), o resultado constitui um exercício de vaidades.

    Para um projeto tratando quase unicamente de sexo, é curioso que as cenas de sexo sejam tão envergonhadas ou contidas, com raras exceções. Wu prefere se limitar ao fetiche, estimular os espectadores através do imaginário da nudez e da performance, sem oferecer em contrapartida a representação do corpo comum, não sedutor, desempenhando atividades sem relação com o ato sexual. Todos os personagens, incluindo o protagonista, são objetificados pelo olhar da câmera. Ainda mais questionável é o desfecho, reservando a cada rapaz uma tragédia diferente, da solidão ao suicídio, passando por HIV e incêndios. Quem diria que, após a diversão das festas, chegaria a hora do discurso moralista sobre os riscos da poligamia. A História da Pedra revela-se contraproducente, reafirmando o velho estereótipo do gay hipersexualizado, alienado e emocionalmente instável. O cinema não precisa de uma enésima imagem preconceituosa da comunidade LGBT.

    Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.

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