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    A Terceira Esposa
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    A Terceira Esposa

    As parideiras

    por Bruno Carmelo

    Que curiosa ideia: o principal motor desta história vietnamita – o casamento forçado de uma garota de 14 anos de idade com um proprietário de terras – é rapidamente descrito num letreiro inicial. A diretora Ash Mayfair não se interessa tanto às circunstâncias do casamento, e sim às consequências do matrimônio. A Terceira Esposa joga luz à posição de inferioridade da mulher, à obrigação de gerar um filho homem, às crises de ciúme, inveja, às questões da virgindade e do prazer feminino.

    Pela premissa e pelo retrato elaborado por uma mulher sobre um grupo de mulheres – além da jovem May, o roteiro se foca nas duas primeiras esposas e em outras meninas -, o drama poderia fornecer uma crítica contundente às raízes deste Vietnã do século XIX, estabelecendo um diálogo direto com a posição social das mulheres no século XXI. Ora, a cineasta não possui tamanha pretensão. Seu olhar é essencialmente descritivo: a câmera observa todas essas mulheres de fora ao invés de enxergar o mundo pelo ponto de vista delas. Não sabemos o que desejam, nem de que modo percebem a sociedade ao redor (curiosamente ocultada da trama). Vistas como objeto pelo marido, elas também são objetificadas pelo filme.

    As escolhas narrativas revelam-se ainda mais questionáveis. Ao invés de demonstrar a brutalidade ou frieza das relações, Mayfair aposta num ritmo lânguido, com muitas câmeras lentas, trilha sonora sensual, imagens plácidas da natureza. Mesmo os corpos das mulheres são representados de modo sedutor, a exemplo dos seios marcando uma camiseta molhada, ou a câmera acompanhando os dedos da garota numa cena de masturbação. Ao invés de sugerir a repulsa ou estranhamento em relação àquela situação, o drama decide torná-lo atraente, como se adotasse o ponto de vista do proprietário de terras. O roteiro normaliza as relações de opressão, sugerindo que as circunstâncias femininas são suportáveis devido às amizades que criam entre elas, ou às possibilidades de uma eventual traição às escondidas.

    Enquanto isso, o roteiro move-se por circunstâncias climáticas, sempre relacionadas ao corpo. Pula-se de uma gravidez a um parto, de uma morte a um nascimento, de uma menstruação à noite de núpcias. Todas as mulheres são reduzidas à condição de mães e esposas, ou mães e esposas em potencial, no caso das meninas. Seria fundamental que a trama investigasse também os anseios mais íntimos destas mulheres quando não estão na cama do marido, nem esperando para serem chamadas por ele. No entanto, A Terceira Esposa limita-se às ações e conflitos. O que não puder ser exteriorizado, não existe.

    Rumo ao final, o projeto ameaça enfim propor algumas possibilidades de subversão às rígidas regras sociais. Seria a redenção de May e suas amigas? Não exatamente. A fuga proposta por Mayfair diz respeito ao martírio ou à tragédia, jamais ao enfrentamento do sistema. O filme envereda pelo fatalismo para escapar ao destino acatado, até então, de maneira plácida por todas as mulheres. Soa inverossímil que toda a nova geração de garotas sucumba de uma vez só às regras que funcionavam sem questionamento um ano atrás. Ao menos, este representa algum distanciamento em relação aos fatos narrados. Mesmo assim, falta muito para empoderar essas mulheres, ou compreender a visão dos laços sociais. O máximo que o projeto consegue fazer é expressar piedade. Entretanto, o cinema possui uma responsabilidade ética que vai muito além do paternalismo e da constatação dos fatos.

    Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.

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