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    Tel Aviv em Chamas
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Tel Aviv em Chamas

    A magia da ficção

    por Barbara Demerov

    O cinema tem o poder de nos contar histórias ficcionais que causam emoções, assim como também é capaz de aproveitar o que já é real e conhecido para criar algo que se encaixe estritamente na ficção. Essa é a graça que alguns filmes conseguem possuir ao sair do lugar comum, e é exatamente o caso do inusitado Tel Aviv em Chamas, cuja narrativa insere o conflito israelense-palestino dentro de uma novela de espionagem que se passa antes da Guerra dos Seis Dias de forma despojada e cômica, mas sem fazer com que o tom crítico seja esquecido - mesmo que se encontre mais nas entrelinhas.

    Um contexto sensível como este poderia dar muito errado dentro do perfil cômico escolhido para a história, que já começa com uma cena feita para a novela (cujo nome é... Tel Aviv em Chamas) e uma introdução com música romântica que mostra os personagens principais da novela/filme. Logo de início, já é possível atestar que essa não será uma história dramática sobre a atual conjuntura política e social daqueles locais, mas sim uma trama que envolve o meio criativo e foca em um roteirista que não possui inspiração para criar situações que façam o público aficionado pela produção continuar acompanhando. O modo como a divergência política entra na narrativa é através de Salam (Kais Nashif) e o general Assi (Yaniv Biton) na fronteira militar entre uma cidade e outra. Uma amizade é criada aos poucos e o principal motivo da parcela de truculência vista se dá por Assi querer controlar os acontecimentos da novela por uma questão pessoal.

    A ficção dentro da ficção é cativante e, por vezes, nos faz esquecer que o background de Tel Aviv em Chamas é extremamente acalorado. Os momentos em que vemos a dupla procurar por ideias que deixem ambos os lados satisfeitos (afinal, um dos personagens da novela torna-se uma espécie de alter-ego de Assi) são aqueles que recebem a maior parcela de humor - e um humor nada forçado, apesar de um tanto provocativo. É inevitável o espectador se pegar pensando se alguns limites foram ultrapassados ou não, ou se o público local achará o filme um tanto desrespeitoso; mas, por outro lado, a tentativa de trazer o bom humor à uma temática tão desgastada pelo discurso de ódio e intolerância, ainda assim, é válida.

    Por tratar com humor esse conflito tão complexo, o foco do filme acaba por ser a questão ética que envolve Salam e os artifícios que usa para se auto-intitular roteirista do maior show da TV local. Com bons ouvidos para ouvir conversas, ele até se esforça para tentar criar seu próprio roteiro, mas sempre acaba se apoiando nos pensamentos de outros. No entanto, Tel Aviv em Chamas é sua única chance de se sobressair pela primeira vez na vida por trabalhar com uma famosa atriz francesa, Tala (Lubna Azabal), e, quem sabe, garantir o retorno de um amor passado, Mariam (Maisa Abd Elhadi). Com a pressão de Assi para fazer com que os generais israelenses sejam tratados com mais leveza nas telinhas, Salam se vê num impasse com teor político e ideológico através da ficção, e o filme dá conta de garantir uma maior atenção à ficção.

    O ritmo de Tel Aviv em Chamas nunca se perde mesmo ao mesclar romance, amizade e questões profissionais e éticas. Salvo a presença de mulheres apenas no âmbito de aparências ou servindo como muleta para o personagem de Salam evoluir (Tala o ajuda a quebrar a dificuldade em escrever, mas há apenas colegas homens dentro da sala roteiro), este é um filme muitíssimo divertido e que não quebra a reflexão da válida quebra de barreiras entre um lado e outro. A novela, apesar de deixar explícita quem são os heróis e os mocinhos numa trama com espiões, casamentos e reviravoltas, acaba por ser o elo que une Palestina e Israel, Salam e Assi, ficção e realidade.

    Filme visto no 8º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2019.

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