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    Humberto Mauro, Cinema É Cachoeira
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Humberto Mauro, Cinema É Cachoeira

    A vertigem das imagens

    por Bruno Carmelo

    A presença do sobrinho-neto do cineasta Humberto Mauro por trás deste documentário pode suscitar apreensão: o jovem diretor seria capaz de demonstrar distanciamento sobre seu familiar, ao invés de enaltecê-lo? O temor é dissipado desde as primeiras imagens, quando se expõe uma sucessão fragmentada de trechos dos filmes do veterano, enquanto o próprio Humberto Mauro narra coordenadas pouco audíveis devido ao registro antigo e à voz vacilante.

    A porta de entrada ao projeto, portanto, se encontra na perda de referências e, acima de tudo, no trabalho do cineasta, ao invés de sua vida pessoal ou quaisquer outros aspectos relacionados. André Di Mauro busca valorizar os quase 300 filmes concebidos entre os anos 1930 e 1960, sem precisar sublinhar seu pioneirismo ou originalidade. As imagens de dezenas de curtas e longas-metragens são oferecidas como tais ao espectador, em nova montagem e ritmo, mas preservando sua textura de película, sua fotografia, seu modo de olhar. Cabe ao público tirar suas conclusões sobre o valor dos trechos mostrados.

    Se alguém comenta estes trechos, é o próprio Humberto Mauro, em entrevistas fornecidas durante os anos 1960, em idade avançada e com saúde comprometida. Dono de uma franqueza excepcional, e ao mesmo tempo muito consciente de sua posição na História do cinema brasileiro, o diretor explica as suas escolhas de enquadramento, a sua valorização única da natureza, e a influência exercida no cinema feito depois dele. Humberto Mauro demonstra distanciamento em relação à própria carreira, algo muito valioso num projeto póstumo. Ao mesmo tempo, o documentário utiliza apenas o som dos depoimentos em 90% das cenas, deixando que as falas se sobreponham a imagens não referenciais registradas por ele.

    Em outras palavras, temos um diálogo do cineasta com sua obra e com a cinematografia nacional de modo mais amplo. A montagem encontra ótimas soluções para comparar a agricultura filmada frequentemente por Humberto Mauro e a manufatura do cinema na primeira metade do século XX. Enquanto isso, compara as máquinas do cinema com moinhos e outros mecanismos, e constrói uma bela cena poética em que o diretor filma a si mesmo, graças à colagem de dois fragmentos com décadas de distância entre eles, nos quais ele opera uma câmera. O olhar do cineasta a si próprio permite que se desfaçam os clichês e conceitos tão comumente deturpados pelos cinéfilos, como a frase “Cinema é cachoeira”, cuja explicação só se completa ao final da projeção.

    É verdade que, devido à baixa qualidade dos registros sonoros, parte das conversas com Humberto Mauro se torna inaudível – a plateia do festival de Brasília teve a sorte de contar com as legendas em inglês como suporte em caso de dúvidas. Além disso, os materiais, ainda que bem agenciados, não fornecem um olhar propriamente original à carreira do cineasta. Mesmo assim, o documentário propõe um diálogo sensível entre dois tempos e duas formas distintas de fazer cinema, valorizando Humberto Mauro por sua arte e seus esforços, ao invés de recair na tradicional retórica do gênio inquestionável. Aqui, o diretor não é comparado a outros, não é inserido num contexto social mais amplo. Ele é analisado de si para si mesmo, num exercício ao mesmo tempo estimulante e intimista.

    Filme visto no 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2018.

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