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    Meu Eterno Talvez
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Meu Eterno Talvez

    Potencial desperdiçado

    por Sarah Lyra

    Não dá para negar a importância social da decisão da Netflix e outros estúdios de trazer mais representatividade para as histórias que escolhem contar no cinema, o que impacta diretamente nos personagens criados e nos atores escalados para interpretá-los. Embora o esforço seja válido, ainda há pouca maturidade, por parte da indústria cinematográfica, para entender que não se trata apenas de escalar minorias para os filmes, mas também de relacionar as inquietações e problemáticas desses grupos a roteiros que naturalizem e exponham a diversidade.

    Em Meu Eterno Talvez, Sasha (Ali Wong) é uma garota que passa a maior parte do tempo sozinha em casa, pois nunca recebe atenção suficiente dos pais, que frequentemente trabalham por longas horas. Sasha busca conforto e carinho na casa de Marcus (Randall Park), seu vizinho, cujos pais são doces e participativos. Os anos passam e a amizade dos dois fica cada vez mais forte. Um dia, quando estão prestes a ir para a faculdade, os dois amigos decidem perder a virgindade juntos. Logo depois, Marcus perde sua mãe em um acidente trágico, e a recusa em lidar com o luto acaba gerando uma grande briga com Sasha. Eles passam anos sem se ver, até que um dia, Sasha, agora uma renomada chef de cozinha, volta a São Francisco para abrir um restaurante. Os dois amigos se reaproximam e precisam lidar com questões mal resolvidas do passado.

    É justamente a partir da imaturidade mencionada acima que surge o maior problema de Meu Eterno Talvez, cujo elenco é majoritariamente de descendência asiática. A produção parece ciente das possibilidades que tem em mãos, mas a percepção geral é a de que não se sabe muito bem como explorá-las. O roteiro flerta com as diferenças culturais entre brancos e asiáticos, por exemplo, mas o humor gerado a partir dessas barreiras reforça ainda mais estereótipos (e preconceitos), quando o movimento natural seria de desconstruí-los. A insistência do longa em piadas sobre coreanos serem mãos-de-vaca, por exemplo, em nada agrega ao filme (e menos ainda ao debate sobre representatividade). Por esse motivo, é frequente, durante o longa, a sensação de que as piadas soam inadequadas e constrangedoras.

    Outro problema da narrativa, que fica evidente logo nas primeiras cenas, vem do fato de percebermos que Marcus e Sasha passaram anos sem se falar, mas sem entender realmente por que. Há uma briga, sim, mas não uma que justifique o rompimento de uma amizade de tantos anos, ainda mais se levado em conta que Marcus estava passando por um doloroso processo de luto e que as coisas ditas tinham mais a ver com a perda precoce da mãe do que sua opinião sobre a melhor amiga. Sasha, inclusive, tem todo o direito de ficar chateada com o amigo, mas o afastamento dos dois parece pouco natural. Por isso, quando o esperado reencontro acontece, não há uma carga emocional forte o suficiente para que torçamos por uma reconciliação.

    A partir do reencontro, o roteiro usa o contraste entre os estilos de vida de Sasha e Marcus, agora adultos, para ser engraçado, mas ao mesmo tempo tentando criar uma química entre os dois que nunca, de fato, se concretiza. É difícil achar motivos para torcer pelos dois quando fica tão evidente que se tornaram pessoas com valores completamente diferentes. Normalmente, as comédias românticas são eficientes em criar uma intimidade entre o casal, a ponto de nos faz torcer por eles, mesmo diante da improbabilidade de um relacionamento assim dar certo, mas, aqui, isso se torna um problema, principalmente quando o filme tenta sugerir que Sasha só se tornou uma mulher competente e bem sucedida porque falhou na vida amorosa. E, obviamente, não é coincidência que o maior atrito entre Sasha e Marcus aconteça justamente após um tapete vermelho, quando ela recebe toda a atenção dos fotógrafos e ele fica em segundo plano, incomodado por ter que segurar a bolsa dela.

    E, para piorar uma situação que já não era boa, o terceiro ato do filme coloca Sasha como uma mulher em busca de redenção, por conta do estilo de vida pomposo que leva. Não há, nela, durante a trama, qualquer tipo de inquietação ou hesitação em relação a sua profissão, muito pelo contrário: ela faz questão de reforçar que o relacionamento dos dois só vai funcionar se Marcus aceitar que as preferências dela são diferentes das dele. Por isso, é estranho que, como parte do desfecho da trama, o roteiro sinta a necessidade de resolver a vida profissional de Sasha, que, na verdade, nunca foi uma questão para ela. Ao abrir um restaurante de comidas caseiras (com as receitas da mãe de Marcus, diga-se de passagem), parece não só que Sasha está tentando se redimir como também buscando a aprovação de Marcus.

    O único trecho do filme que consegue arrancar boas gargalhadas é o encontro duplo de casais, em que Keanu Reeves, novo namorado de Sasha, rouba completamente a cena ao pedir um prato servido junto com fones de ouvidos, para que se ouça “o animal que está prestes a ser consumido”, em uma crítica clara à pompa da alta gastronomia e suas experiências sensoriais. É uma pena que essa característica não seja explorada com mais frequência no longa, nos deixando com a sensação de que o humor tinha muito mais potencial do que realmente foi mostrado.

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    Comentários

    • Diego Marques
      Gostei bastante do filme. Me chamou a atenção o fato de não ser uma estrutura igual a maioria das comédias românticas, e não trazer um humor forçado. E gostei bastante da trilha sonora do filme, tanto as músicas que tocam de fundo no filme, quanto as que a banda do personagem toca.Entendo que o filme tinha potencial para abranger mais críticas de assunto dos quais ele toca, mas acho que essa não era a premissa do filme.
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