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    Caravaggio - A Alma e o Sangue
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Caravaggio - A Alma e o Sangue

    Menos é mais

    por Sarah Lyra

    Há um embate que permeia toda a duração de Caravaggio - A Alma e o Sangue. Ao mesmo tempo em que se assemelha aos tradicionais programas de História feito para a TV — com toda sua linearidade, didatismo e falta de identidade linguística prórpia —, há também uma busca constante por um senso estético apurado, que nem sempre se concretiza. Já em seus minutos iniciais, o documentário sobre a vida do pintor Michelangelo Merisi, mais conhecido como Caravaggio, adota um tom melancólico, que anuncia constantemente o estado de espírito de seu biografado. No entanto, os acontecimentos em tela poucas vezes conseguem expressar com precisão a tormenta vivida pelo artista.

    O diretor Jesús Garcés Lambert nos dá acesso irrestrito às obras de Caravaggio, priorizando o uso de planos detalhes em imagens que apresentam suntuosamente os maiores clássicos do pintor, hoje abrigados em diversos museus espalhados pela Europa. Ao explicar uma das técnicas de Caravaggio, que consiste em pintar o objeto retratado ligeiramente inclinado para frente, de modo a passar a sensação de que quase podemos tocá-lo, a montagem do documentário guia o nosso olhar como se estivéssemos em frente ao quadro e permite uma leitura que nos faz transitar de maneira ágil entre seus traços, cores e texturas, enquanto especialistas em arte apresentam informações sobre a vida pessoal do artista e o contexto em que foram pintadas.

    As imagens dos quadros são alternadas com um monólogo interpretado por Marigliano Emanuele, que faz o papel de traduzir os conflitos internos do pintor em busca de reconhecimento e excelência artística. Nesse ponto, Lambert propõe debates sobre liberdade, martírio e até o papel da sorte em uma carreira de sucesso. Embora instigantes, os temas são mais bem abordados quando o documentário não tenta explicitamente ilustrá-los, pois é na relação entre a vida de Caravaggio e os closes nas expressões contidas em seus retratados, e não nas cenas performáticas, que o filme mais comunica. Por isso, o trabalho de “ambientação” do tormento do pintor — marcado por cômodos vazios em luz e sombra, cenas de Emanuele sendo asfixiado por água e papel filme, ou com o corpo coberto de tinta preta, em alusão à escuridão — embora bem executado, se torna dispensável para a narrativa.

    É na revelação do motivo por trás da neutralização do espaço em torno daquilo que o pintor representa, no olhar aterrorizado da Cabeça de Medusa imerso em ondas de água oscilantes e nas imagens de raio-x que revelam traços apagados da composição final de O Martírio de São Mateus que o documentário tem sua força. Certamente não em fichas de poker sendo lançadas em câmera lenta enquanto uma narração em off diz “não me rendo, aposto ainda mais", no intuito de caracterizar o sentimento de Caravaggio diante das críticas constantes sobre uma suposta falta de movimento e elegância em suas obras.

    O documentário também se mostra pouco interessado em abordar questões mais polêmicas da vida do biografado, como o exílio de Roma, após ser acusado de assassinato. Algo que é retratado mais no intuito de trazer redenção ao pintor — como deixa clara a cena em que Caravaggio se contorce na cama, sem conseguir dormir, tomado pela culpa — do que revelar um aspecto nada admirável de sua personalidade. Ao apresentar o período em que o artista passou por Nápoles, Malta e Sicília, Lambert enaltece e romantiza a trajetória de Caravaggio, principalmente quando parece sugerir que seu brilhantismo o acompanhava mesmo na adversidade e que não foram poucas as oportunidades encontradas após a fuga da capital italiana. Com um desfecho apressado e pouco envolvente, Caravaggio - A Alma e o Sangue tem boas intenções, mas acaba intimidado diante de seu biografado.

    Filme visto no 8 ½ Festa do Cinema Italiano, em agosto de 2019.

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