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    Shirley
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Shirley

    Mergulho profundo

    por Barbara Demerov

    A diretora Josephine Decker já havia mostrado a que veio em A Madeline de Madeline, de 2018, com seu estilo de filmagem que sempre prioriza a proximidade para com seu elenco. E é essa mesma proximidade na filmagem, que se estende como método para expor ainda mais os sentimentos de suas protagonistas, que Decker realiza um ótimo trabalho com Shirley. Ela usa e abusa do poder que a câmera possui para contar histórias sem muitas palavras mas, ainda assim, mescla a linguagem dos olhares com a dupla de atrizes Elisabeth Moss e Odessa Young.

    Com ambas em perfeita sintonia, é até difícil se desprender da ideia de que a Shirley Jackson de Moss está se aproveitando da ingênua Rose. Escritora brilhante que lutou contra sua ansiedade e agorafobia, a personagem-título é "salva" por Rose, que, grávida, passou a morar em sua casa juntamente de seu marido (Logan Lerman). Shirley ganha a possibilidade de salvação ao reencontrar inspiração para escrever, e o filme passa a acompanhar o processo ao mesmo tempo em que dosa romance e drama - assim como a disputa de egos no meio acadêmico nas décadas de 50/60.

    Shirley separa bem os mundos dos maridos e das esposas, mas sempre se apropriando de um tom crítico que exalta as atitudes machistas dos homens do elenco - especialmente Stanley (Michael Stuhlbarg), marido da escritora. Ao mesmo tempo, Decker apresenta o tempestuoso relacionamento entre o casal de intelectuais e sua dinâmica nada saudável (que chega até na invasão de Stanley no processo de criação de Shirley). Aos poucos, é possível observar certa amabilidade do marido, mas ainda assim é evidente que a prisão mental da protagonista, em parte, foi causada pelo companheiro.

    Apesar de ser interessante acompanhar a dinâmica que se constrói dentro da casa com dois casais que pouco se conhecem, nada se equipara ao domínio da atuação de Moss, que individualmente já toma para si toda a carga emocional da narrativa e entrega bastante intensidade ao espectador. Por muitas vezes sem precisar dizer nada, a presença de sua Shirley já é o suficiente para trazer a sensação de que estamos acompanhando a história unicamente através de sua perspectiva. Se os devaneios inseridos por Decker soam fora do lugar no início, lentamente eles passam a preencher diversas lacunas da história.

    O destaque dado à ótima Odessa Young garante um contraste entre as personalidades de Rose e Shirley, assim como na intensidade crescente de um relacionamento confuso e transformador para ambas as mulheres. Se por um lado Shirley precisava de um empurrão profissional e acaba por se reencontrar por completo, Rose ganha novos olhos para a mesma realidade que um dia era suficiente; e todo o processo é realmente muito atraente de se acompanhar. Se uma personagem intriga pelo mistério, a outra surpreende pelos desejos mais profundos.

    Apesar de sabermos que apenas uma delas saiu ganhando algo mais concreto, o modo como Decker desenrola a narrativa de Shirley não vilaniza ninguém. É tudo uma questão de troca - e as belíssimas imagens registradas entre a imaginação tomando forma e a realidade intimidadora dizem tudo por si só. Shirley é uma experimentação para os personagens em tela, mas também entrega uma espécie de dissertação ao próprio espectador devido ao mergulho na psiquê de uma mulher de muitas camadas.

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