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    Ela É Ganda
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Ela É Ganda

    A falta de ação que condena as próprias vítimas

    por Barbara Demerov

    Como abordar com clareza um assunto que não se estende a só uma família, mas sim a centenas de milhares? Como tratar de política, preconceito, violência e assassinato em um documentário que possui como base a morte de Jennifer Laude, mulher transgênero que foi vítima da intolerância e se tornou parte de uma estatística que só cresce? Estas e outras questões, tais como a difícil relação entre Estados Unidos e Filipinas, formam a estrutura do documentário Ela é Ganda.

    Além de dar bastante atenção à mãe de Jennifer, que dá depoimentos emocionantes sobre sua filha e seu passado, outra escolha narrativa do diretor PJ Raval é a de dar vozes a diferentes personagens: uma jornalista transgênero e uma advogada ilustram bem o caso e dão camadas diferenciadas, assim como acontece com entrevistas com colegas e o noivo da jovem, enviando ainda mais humanidade à vitima brutalmente assassinada em um quarto de hotel. Estas aproximações rendem mais complexidade não somente ao caso de Jennifer como também abrem um leque panorâmico que evidencia os problemas e as poucas soluções quanto ao tratamento dado a transgêneros nas Filipinas. Como o esperado, o buraco é sempre mais embaixo, e o documentário busca aclarar toda uma situação de muitos anos tendo como base o que houve com Jennifer.

    Parte do problema social que a República das Filipinas enfrenta é a permanência dos Estados Unidos nas relações diplomáticas, que, entre tensões, inserem soldados americanos no país. Ela é Ganda obtém êxito ao mostrar como esta relação afeta diretamente as Filipinas e foca no fato dos EUA ter uma grande facilidade de manipulação. O caso do soldado do exército que assassinou Jennifer não havia sido o primeiro no país, mas teve seu ineditismo: foi a primeira vez que os EUA foram julgados por um crime no país. PJ Raval registra alguns fragmentos dos colonos tentando enfrentar seus colonizadores.

    Tal opção de narrar a história por diferentes pontos de vista dita o tom realístico que o diretor almeja e se conecta bem com o caso de Jennifer, mas, ao mesmo tempo, é pela inclusão destes mesmos pontos que o foco do documentário se torna um pouco perdido, especialmente em sua metade. Sabemos que Jennifer simboliza algo muito maior e que ela representa a pequena chance de mudança à sociedade filipina que sofre com o preconceito, mas a atenção dada à jornalista Meredith Talusan, por exemplo, tira um pouco a força da história isolada de Jennifer. Isto definitivamente não seria um problema caso o desenvolvimento da abordagem no caso de violência contra transgêneros fosse mais detalhada. Contudo, o que acontece é uma viagem distante ao histórico das Filipinas e da atuação militar dos Estados Unidos há mais de um século - que, apesar de serem importantes para clarear a mente do espectador a fim de ligar os fatos com o assassinato, não são tão minuciosos e chegam a se repetir. 

    Os desafios da advogada da família que são apresentados durante o julgamento, pautados pela ausência de lei e atenção, são incômodos de se ver. Da mesma forma, a mesma sensação se prolonga a cada lembrança que a mãe de Jennifer fala em voz alta. A quebra do clima melancólico se dá pela inclusão dos acontecimentos políticos que acabam se destacando ainda mais que o julgamento em si, o que dificulta o cerne do longa, que é Jennifer. Sabemos que, no fim dia, seu assassinato conversa com o passado das Filipinas e, infelizmente, não acabará por aí - mas há uma vontade exacerbada de continuar reiterando isso a todo o momento.

    No mais, Ela é Ganda é um documentário que provoca reflexões e deixa margem para mais questionamentos serem feitos com relação à política e inclusão social. Com a presença do governo Trump e a sua relação com o presidente filipino Rodrigo Duterte, é inevitável notar que esta triste realidade de dificuldades igualitárias ainda não mudou. O que o documentário faz, além de destacar a beleza interna e externa de Ganda (que significa "beleza" e era o apelido dado por sua mãe) é chamar a atenção ao plano geral de onde ela se encontrava para, talvez, dar uma luz que realmente ajude as vítimas e não continue adiando sua justiça. No entanto, por este ser um assunto extremamente complexo, falta um tratamento mais incisivo no que diz respeito ao que está além do assassinato da jovem.

    Filme visto no 26º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2018.

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