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    Le Sel des larmes
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Le Sel des larmes

    Visual impecável, conteúdo indefensável

    por Barbara Demerov

    Em termos técnicos, o novo filme de Phillipe Garrel parece sair diretamente da Nouvelle Vague: a câmera registra inúmeros planos abertos que mostram tanto o movimento da cidade de Paris quanto de seu personagem principal, Luc (Logann Antuofermo), o preto e o branco se destacam como as únicas cores, há uma narração em off e a narrativa é focada inteiramente na vida do protagonista. Porém, não é como se Luc fosse uma nova versão de Antoine Doinel. Se o alter-ego de Truffaut era tridimensional, Luc é apenas arrogante e egoísta.

    The Salt of the Tears poderia ser um romance à la anos 60, uma vez que a história de Luc se inicia com Djemila, uma simpática e tímida jovem que conhece num ponto de ônibus. Contudo, o que aparentava ser uma relação de amor à primeira vista logo se torna uma espécie de "jogo" para o personagem. Segundo o narrador que acompanha a história, Luc quer mais do que tudo encontrar o amor verdadeiro - mas ele não faz absolutamente nada de bom para que o sentimento permaneça caso surja.

    Além disso, não é como se o problema se concentrasse apenas no protagonista - que não é merecedor desta realização, cujo desejo é apenas carnal na maior parte do tempo. A própria narração é bastante problemática. A voz (masculina) ameniza absolutamente todas as atitudes de Luc, incluindo o aborto de uma ex-namorada ou a raiva após Djemila se recusar a fazer sexo com ele. Por vezes, é impossível não pensar se o homem está agindo racionalmente, devido ao quão absurdo é vê-lo tratar diversas mulheres com tanta aversão após se enjoar de suas companhias.

    Mais ainda, chega a ser completamente incoerente um filme que demarca tais comportamentos machistas ser lançado neste século, quando tanto se é falado sobre este assunto. A qualidade técnica de The Salf of Tears realmente é de se admirar, mas é muito difícil separar a qualidade visual do conteúdo que o roteiro traz a todo o instante. Admirar a fotografia enquanto o que é falado em tela não condiz com o mínimo de respeito que as mulheres presentes na trama merecem é uma tarefa incômoda.

    Conscientemente ou não, Garrel propaga um discurso condenável sobre as maneiras mais erradas de um homem tratar as mulheres. Em determinado ponto, Luc se enfurece ao ter de lidar com sua terceira namorada (seu "verdadeiro amor") se dividindo entre ele e mais um homem - quando, na verdade, isso é exatamente igual a algo que o próprio fez. A tentativa de humanizar o personagem através de sua terna relação com o pai, já de idade avançada, é bem executada, mas ao fim da projeção ela simplesmente não funciona mais. Como em qualquer filme cuja história circula em torno de um personagem, não é possível se relacionar quando não há traços proveitosos - seja na personalidade ou nas ações.

    Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.

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