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    Meninas Aranha
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Meninas Aranha

    A astúcia dos pobres

    por Bruno Carmelo

    A origem deste drama é uma surpreendente história real: no Chile, três pré-adolescentes de uma comunidade pobre decidiram escalar sacadas de prédios de luxo, até encontrarem janelas destrancadas de apartamentos onde pudessem entrar, roubar roupas e acessórios. Que habilidade especial elas possuíam para uma prática tão arriscada? Que lábia demonstraram para enganar porteiros e entrar no pátio interno dos edifícios? Como fugiram a tantas câmeras de segurança? Por que nunca roubaram dinheiro, apenas objetos? De que modo escolhiam os prédios, e como faziam para não despertar a atenção de vizinhos? Infelizmente, o espectador de Meninas Aranha não terá resposta a nenhuma dessas perguntas.

    Isso porque o foco do diretor Guillermo Helo não se encontra na série de invasões, e sim no valor que representam para amizade entre as garotas interpretadas por Michelle MellaJaviera Orellana e Dominique Silva. Os roubos as deixam mais próximas do sonho de terem “coisas bonitas”, como dizem, e de serem famosas na televisão. Meia dúzia de cenas, filmadas no mesmo planalto, revela o trio lendo revistas de beleza e debatendo cortes de cabelo. Ao mesmo tempo, a escalada de sacadas e colunas torna-se inverossímil pela facilidade com que uma garota obesa e grávida efetua o roubo junto às outras, enquanto as elipses transformam o sucesso da empreitada numa coisa banal, sem emoções – um fato consumado.

    Paralelamente, a miséria é cercada de fetiches deterministas. Por se apoiar no ponto de vista das garotas, as favelas são vistas como um local onde existem apenas mães abusivas, pais alcoólatras, adolescentes estupradores e crianças inocentes que se tornarão adultos agressivos um dia. A comunidade é retratada em apanhados aéreos assustadores, com música de suspense para reforçar o modo como as garotas são engolidas pelo cenário. A possível ideia de cooperação entre pessoas desfavorecidas não existe neste contexto fatalista onde a única solução é o crime. Por um lado, é louvável que o filme não culpe o caráter do trio por todos os problemas. Por outro lado, é questionável que trate os assaltos como uma decorrência inevitável da vida numa favela.

    Talvez este seja o aspecto mais frustrante do projeto: o fato de se encontrar tão perto de um fato político extremamente simbólico, sem ser capaz de propor um discurso político propriamente dito. O caso das meninas aranha é revelador da exploração da mídia, dos sonhos de consumo, da opressão dos padrões de beleza sobre as garotas, e mesmo do preconceito racial, já que as três só conseguiam entrar nos prédios por serem brancas e “não se parecerem com gente pobre”. O episódio constitui uma potente alegoria social, no entanto, o filme insiste em tratá-lo como um buddy movie, uma aventura agridoce na qual tudo vale a pena, contanto que se mantenha uma grande amizade.

    Rumo à conclusão, Meninas Aranha coloca na boca das protagonistas algumas frases de efeito sobre a dor de ser miserável, sobre a desigualdade de renda entre os mais ricos e os mais pobres. A constatação da injustiça pode ser um bom primeiro passo para a compreensão de mecanismos sociais excludentes, mas está longe de ser suficiente. Enquanto isso, Helo priva o espectador tanto do suspense inerente aos roubos (Elas vão cair? Elas vão ser pegas?) quanto das decorrências políticas de um fato excepcional.

    Filme visto no 13º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, em julho de 2018.

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