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    Amarra Seu Arado a uma Estrela
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Amarra Seu Arado a uma Estrela

    Precisamos de utopias

    por Bruno Carmelo

    A palavra mais frequente neste documentário, aparecendo da primeira à última cena, é “utopia”. A diretora Carmen Guarini busca a definição no dicionário, enquanto Fernando Birri, o tema deste projeto, procura os limites da palavra em conversas com amigos. “Modelo de sociedade ideal”, “ideal impossível de ser realizado” e “concepção de uma sociedade justa, sem desequilíbrios” são algumas definições possíveis, segundo o dicionário brasileiro Aulete. O que este projeto questiona, na verdade, é a validade de buscar algo que, por definição, é inatingível.

    Amarra Seu Arado a uma Estrela é um projeto sonhador. Ele retrata um homem comunista, interessado na herança política de Che Guevara na Argentina, enquanto demonstra total adesão às ideias de ambos. Não existe real distanciamento do personagem: Guarini, grande amiga do cineasta falecido em 2017, efetua um retrato afetuoso, íntimo. A maior parte das cenas se desenvolve nas mesas de refeições ou nos bastidores de um filme feito por Birri sobre Che. Descobrimos o bom humor do veterano, a maneira franca como discute sua morte própria e a crença na necessidade de lutar por uma sociedade igualitária.

    O idealismo impregna também a forma do filme. A diretora aposta num formato caseiro, longe das pompas do cinema industrial ou “profissional”. Por isso, as imagens tremidas não buscam um enquadramento particularmente belo, a concepção sonora é a mais simples possível. O documentário enxerga o valor humano e político de Birri como superior à autoralidade de Guarini. Em outras palavras, jamais vemos algo que o próprio Birri não deseje mostrar. É ele quem controla as imagens, o discurso, as piadas. Embora se revele com franqueza, faz questão de frisar a perturbação que a câmera gera ao seu redor. Nota-se com curiosidade mais um episódio em que diretores ficam constrangidos pela presença de uma câmera – talvez por conhecerem muito bem do que são capazes.

    No que diz respeito à política, Amarra Seu Arado a uma Estrela combina de maneira orgânica o pensamento revolucionário aplicado à sociedade, à política e ao próprio cinema. Os personagens retratados em tela – incluindo diretores de centros de cinema experimental e da escola de cinema criada por Birri – demonstram de que maneira estas pessoas vivem em perfeita harmonia com as ideias que pregam, evitando o mercantilismo da educação e a padronização da arte. Para quem acredita que todo jovem revolucionário se torna um idoso conservador, este projeto revida com a persistência dos ideais progressistas até o fim da vida. Afinal, é de utopias que se trata.

    Mesmo assim, a diretora fornece pouco mais do que um breve apanhado humano a respeito da (sobre)vida das revoluções. O filme constrói poucas metáforas por si próprio, limita-se a uma montagem simples, sem fricções, e um ritmo linear até demais. Rumo ao final, oferece um punhado de boas ideias de conclusão, mas a narrativa segue como se não soubesse muito bem a hora de terminar. Talvez o projeto valha muito mais por Birri do que por Guarini, algo não necessariamente elogioso no que diz respeito a um cinema autoral. Mas por ser um projeto político leve e avesso aos didatismos, se sobressai à média da produção do gênero.

    Filme visto no 23º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, em março de 2018.

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