CINEMA: ”A MULA” de CLINT EASTWOOD - Ouvir uma pessoa de idade sempre é prazeroso. Ouvir um homem com 88 anos de idade, lucido, reflexivo e ativo na direção e no papel principal de um longa metragem uma experiencia essencial. Na ficção, é conhecer e “ouvir” alguém, um idoso de 90 anos, portador de moralidade ambígua, que viveu para o trabalho - cultivo e comércio de flores - e colocou a família em terceiro plano. E quando experimenta a falência da sua prioridade, em prol do restabelecimento da vida perdida, aderi ao crime organizado, desempenhando o papel de “mula”. Esse é o argumento do filme que assisti e partilho. Uma obra de consistência ímpar. O filme tem inspiração num caso concreto, noticiado na imprensa americana. Nas mãos de CLINT EASTWOOD o argumento se expande, desconforta, inquieta e abre a visão. No plano intimista, a gente conhece um idoso que casou, teve uma filha, divorciou e se ausentou. De início, não vai ao casamento da filha. Na ocasião, comemora um reconhecimento social como florista, num bar, com “amigos”, pagando a bebida de todos na casa, inclusive de dois nubentes e seus convidados. No plano social, um velho que adere ao crime e que ao longo do filme, em razão da sua eficiência, serenidade e vida pregressa, ganha a confiança do cartel, a indiferença da polícia, realiza mais e mais transporte de droga. O crime é realizado, sem deixar rastros de materialidade e de autoria. A droga, cada vez mais avolumada, é distribuída pelo Estado americano de Illinois. A experiência de quem viveu bastante se alia ao crime sem conflitos pessoais e éticos. Essa ao meu ver é o tema subjetivo do diretor e que incomoda muito a gente, enquanto expectador. O “velho” transporta droga, como se estivesse transportando alimento, em compasso com sua idade, ouvindo e cantando música. Em meio a essa “calmaria”, a serviço do crime, esvazia uma abordagem, protege os traficantes imigrantes, encontra e interage com diferentes “tipos”, come e satisfaz a libido com mulheres jovens. O crime, claro, resgata sua honra social e garante padrão, inclusive caridade social com amigo. O velho, apesar das “virtudes” com a sociedade, não tem destreza e presença com os familiares. O filma, claro desnuda seu interior e o da sociedade, a partir da família abandonada. Quem desconfiaria de um homem de 90 anos? Que ao longo de sua vida, foi um florista de sucesso, ganhador de prêmios, ex-combatente de guerra, que nunca cometeu infração de trânsito, socializado. Nem a família supõe. Os únicos que sabem de sua vida secreta sou eu, você e os criminosos. Com essa matéria humana nas mãos, o diretor mostra a visão distorcida da sociedade, que releva o caráter pelo envelopamento social da pessoa. Aproveita o ensejo para mostrar, com sutileza, que o mexicano culpado sistematicamente pelo Trump, como corruptor, não poderia praticar a traficância, senão contasse com a logística de um americano. Apesar desse contexto, o FOCO principal do diretor é a indiferença e desvinculo do idoso para com sua vida familiar. E nessa tarefa o filme é grande e virtuoso, inseri a expectador no flanco das vítimas, e também em comunhão com os sentimentos de privação afetiva de cada familiar: filha, esposa, genro. Com eles ficamos estarrecidos com o abandono emocional. A “casa”, como é natural “cai” e nessa prisão, sob ameaça do crime, o velho é redimido com coragem pessoal. O desfecho surpreende e emociona. E tudo isso, sem exagero, pirotecnia, com roteiro enxuto e atuações marcantes, seja do ator principal, seja dos coadjuvantes. A idade do ator e diretor trouxe visão, serenidade, mas também a certeza de que a experiência não blinda o homem de erros. Em suma a vida continua sendo complexa! OBRIGATÓRIO!