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    Djon África
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Djon África

    Quem sou eu?

    por Taiani Mendes

    Quem é meu pai? Onde está meu pai? Um dos assuntos mais frutíferos das artes, a busca pelo genitor é o que faz Djon África, bonito longa-metragem de Filipa Reis e João Miller Guerra. A procura do protagonista, no entanto, não se resume ao homem desconhecido que engravidou sua mãe. É uma jornada de encontro com a verdadeira origem, os antepassados sem ligação direta sanguínea, a terra africana.

    A figura principal é Miguel, ou John Tibars Africa Noventaz, personagem ficcional que se mistura com seu intérprete, Miguel Moreira – que anteriormente estrelou documentário dos mesmos diretores, Li Ké Terra. Boa praça, ligeiramente excêntrico e do tipo malandro que na verdade é trouxa, criado pela vovó, ele é apresentado com olhar carinhoso ao público num grande prólogo dedicado a sua vida diária sem rotina. Djon África, o título, só surge na tela quando o rapaz entra no avião para executar sua missão: finalmente conhecer o pai, visto pela última vez em Cabo Verde. A justificativa é essa, mas a aventura serve principalmente para dar um sentido à vida de “não fazer nada” de Miguel, que exemplifica o adjetivo “perdidão”.

    Sem pistas úteis, ele é guiado pelo inebriante grogue, bebida alcoólica que está o tempo todo na boca dos personagens e permite aos diretores a inclusão de doses de fantasia na trama de forma natural. É embriagadora de fato a experiência de se jogar numa cultura nova, ainda mais quando a imersão também é uma reconexão marcada pelo reconhecimento de muito de si no outro até então distante, no lugar de onde veio, mas ao qual não pertence. Não é difícil imaginar um brasileiro em sua pele.

    A observação é de turista encantado, mas o desejo é de pertencimento, questão que é exposta logo cedo nas altercações em que Miguel se diz tão cabo-verdiano quanto português e gasta a língua crioula para provar. De fácil adaptação, logo se faz em casa no país de população majoritariamente negra como ele, inclusive recriando com pessoas recém-conhecidas relações que mantinha em Portugal.

    Djon Africa tem um humor bastante peculiar que surge fácil nas interações sociais do protagonista e quando o roteiro abandona isso para reforçar sua jornada interior, isolando-o na natureza, a narrativa troca viço por explicitabilidade entediante, culminando numa resolução pouco inspirada escorada em comunicação mais inverossímil do que os delírios assumidos.

    O trabalho de direção que não esconde toda a experiência documental do duo, no entanto, é excelente. Cada composição de quadro é uma verdadeira pintura, seja através dos olhos com filtro do exotismo do personagem principal (e dos próprios cineastas), seja integrando-o de maneiras tão belas quanto improváveis nos cenários cabo-verdianos.

    A mise-en-scène, as cores quentíssimas e a linda negritude presente que conduz ao futuro africano brilhante casam com a musicalidade da trilha e das conversas multilíngues e o público é feliz para sempre – ao menos enquanto está em cena uma idosa incrível que dispara pérola atrás de pérola e forma uma dupla dinâmica com o netinho postiço cooptado no meio do mar. Onde se acha o que não se procura, o melhor é basicamente aproveitar o momento e seguir o flow.

    Filme visto no 7º Olhar de Cinema, em junho de 2018.

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