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    Eldorado
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Eldorado

    Justiça aos refugiados

    por Bruno Carmelo

    Entre tantos documentários recentes sobre a crise de refugiados na Europa, talvez Eldorado seja um dos que assume mais claramente a sua vocação jornalística. A primeira parte do projeto é dedicada a informar o espectador sobre as condições precárias em que indivíduos africanos e do Oriente Médio viajam até a Itália, Grécia e outros países mediterrâneos em busca de melhores condições de vida. Markus Imhoof narra os fatos principais e aproxima a câmera do rosto sofrido dos imigrantes exaustos, desidratados, perdidos diante da barreira linguística.

    Além desta proximidade e do senso de urgência típicos da reportagem televisiva, o diretor torna seu discurso mais acessível pela apropriação de um caso pessoal. Na infância, sua família suíça acolheu uma pequena refugiada italiana, a quem o garoto se apegou bastante. Infelizmente, os dois foram afastados pouco tempo depois. Utilizando desenhos infantis e leituras afetuosas das cartas trocadas entre eles, o filme busca a sensibilização, a sugestão de que aquelas histórias ocorrem com pessoas não muito diferentes de nós. Se o primeiro passo visava a informação, o segundo apela à emoção.

    Estes recursos soam manipuladores, além de retratarem os refugiados de um ponto de vista externo. Na parte inicial, nenhum deles tem voz, resumindo-se a uma massa indistinta. Se o projeto se ativesse a esses elementos, seria apenas mais uma tentativa paternalista de expurgar a culpa do colonizador europeu. Felizmente, Imhoof eleva o nível de seu filme. Primeiro, ele deixa muito claro que as imagens apresentadas não correspondem à totalidade do cenário político envolvendo a crise humanitária. O diretor cita diversos casos em que foi proibido de filmar, e em outros momentos, invade com câmera escondida uma máfia exploradora do trabalho de imigrantes ilegais. Permanecemos no domínio do jornalismo-espetáculo, porém com a preocupação de ultrapassar constatações óbvias sobre o problema.

    A busca pelas consequências da imigração gera os melhores momentos do documentário. Quando finalmente escuta as histórias do ponto de vista dos refugiados, o cineasta registra especificidades entre os cidadãos de cada país, de religiões diferentes, de sexos diferentes. Imhoof questiona políticos suíços sobre as circunstâncias de recebimento de estrangeiros, e em determinado momento – talvez o mais forte do filme inteiro – permite que um homem revoltado interrompa a sua entrevista com um oficial italiano, para berrar que tudo aquilo é mentira, que as condições de hospedagem dos africanos são inumanas, que a promessa de advogados pro bono é uma mentira forjada para o olhar das câmeras. O diretor abre espaço para o espectador questionar a veracidade daquelas imagens, a boa vontade do discurso oficial. Será que todas as autoridades consultadas até então distorciam a realidade a seu favor?

    Eldorado se revela uma obra com diversas qualidades, embora um tanto desigual. Ora apela para um melodrama no limite do obsceno – a cena de Imhoof acariciando o túmulo da imigrante morta – ora investiga a exploração econômica dos refugiados e analisa os interesses dos políticos em manter essas pessoas em estado ilegal, porque se revelam mais lucrativas desta maneira. Às vezes, permite acolher o acaso, em outros momentos opta por imagens sensacionalistas. O diretor tenta combinar abordagens excessivas e conflitantes. Teria sido mais vantajoso optar por um desses caminhos e explorá-lo em profundidade.

    Filme visto no 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2018.

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