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    Cobain
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Cobain

    Adolescência trágica

    por Bruno Carmelo

    Aos quinze anos de idade, Cobain (Bas Keizer) detesta o próprio nome. “Quem batiza uma criança a partir de um cara que atirou na própria cabeça?”, resmunga. Seu nome funciona, ao mesmo tempo, como homenagem e provocação, como afeto e descaso, algo que representa muito bem a posição do garoto no mundo. A mãe Mia (Naomi Velissariou), uma ex-prostituta viciada em drogas, vive dormindo de casa em casa, enquanto o filho é obrigado a seguir o mesmo funcionamento nas casas de colegas. Ocasionalmente, os dois se encontram pelas ruas, perguntam um ao outro se estão bem. Depois, seguem por caminhos opostos.

    O protagonista tem como única opção viver de pequenos furtos e tentar se tornar importante à mãe mais uma vez. Para isso, busca uma figura paterna através do antigo cafetão de Mia, um tipo intragável que protege o menino enquanto maltrata as mulheres que trabalham para ele. O grotesco Wickmayer (Wim Opbrouck) ganha ares de vilão de conto infantil, mas é através desta figura que Cobain se transforma em Édipo, precisando assassinar simbolicamente o pai e dormir com a própria mãe – a iniciação sexual com outra prostituta loira como Mia, da mesma idade que a mãe tinha quando se prostituía – para encontrar seu destino trágico no mundo.

    A diretora Nanouk Leopold trabalha com arquétipos e fábulas para representar a vida dura de Cobain. A câmera não teme se colar ao rosto do garoto em 80% das cenas, desfocando o fundo do enquadramento e permitindo ao espectador enxergar apenas as expressões e os deslocamentos do personagem. Felizmente, Bas Keizer se revela a escolha ideal para o projeto, plenamente convincente como adolescente delinquente e também como garoto amoroso, mas que não admite sua carência afetiva. Enquanto Velissariou e Opbrouck carregam nas tintas com atuações acima do realismo, Bas Keizer traz a história de volta a tons palpáveis e passíveis de identificação com o espectador.

    Cobain atinge ótimo resultado quando busca analogias poéticas para as condições cruéis de seus personagens – algo que começa com a sequência inicial. O uso do rock na trilha sonora, discreto e melancólico, revela-se eficaz e pertinente para um garoto batizado com nome de músico. A briga com a mãe durante um show no parque, enquanto cai o dia, é outro achado, assim como o encontro com dois adolescentes músicos, representando a estrutura familiar que ele nunca possuiu. O roteiro é cuidadoso com suas metáforas e a fluidez de suas cenas.

    Rumo ao final, o filme abandona o olhar naturalista para investir de vez na fábula sangrenta. Quando Cobain decide se tornar o pai de sua própria mãe, sequestrando-a à força para que pare de se drogar no final de uma nova gestação, o roteiro investe em cenas pouco realistas, porém de força e criatividade ímpares. O adolescente que carrega o peso do mundo nas costas se vê obrigado a executar atos dos quais muitos adultos seriam incapazes. A narrativa não facilita a vida de seu protagonista, porém através da tragédia, cria sua própria fábula de ares clássicos, assim como a histórias violentas e assustadoras dos tempos medievais.

    Cobain parte do realismo tradicional para chegar ao realismo fantástico, ao mesmo tempo em que serve de rito de passagem à fase adulta e cautionary tale, ou seja, fábula de precaução, ensinando as crianças sobre os perigos do mundo. A mistura de elementos é ambiciosa, utilizando o fatalismo para finalmente conferir ao garoto abandonado a importância que merece no mundo.

    Filme visto no 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2018.

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