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    O Processo
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    O Processo

    Anatomia de uma farsa

    por Bruno Carmelo

    Ao passar meses nos bastidores do Congresso Nacional, acompanhando ao vivo os trâmites que levaram ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a cineasta Maria Augusta Ramos assumiu um grande risco. Primeiro, por ser impossível o distanciamento em relação ao tema, e por não saber onde a história se concluiria. Afinal, os eventos de 2016 trazem consequências no Brasil até hoje, e as imagens daquela época adquiriram novo significado em 2018, com Michel Temer no poder, às vésperas de uma nova eleição presidencial (pelo menos, assim se espera). Existe uma diferença fundamental no ato de assistir hoje àqueles eventos captados “ao vivo”, conhecendo muito bem o desenlace.

    Além disso, no momento polarizado que o país atravessa desde 2013, o projeto será facilmente instrumentalizado por uma parcela do público, que vai considerá-lo genial ou execrável apenas por seu posicionamento político. Este pode se tornar facilmente o “filme da Dilma”, embora discuta um sistema que ultrapassa amplamente a figura da ex-presidenta. Ou seja, ele pode efetuar um grande esforço de comunicação para pessoas que não estão interessadas em dialogar. É possível, no caso de filmes como este especificamente, pregar para convertidos, conversar apenas com as pessoas que já compartilham da tese de que o julgamento constituiu um golpe parlamentar concebido como retaliação pelas medidas de Dilma contrárias a grandes nomes do poder.

    É importante avisar que Dilma Rousseff não é a personagem principal de O Processo. Figuras políticas como José Eduardo Cardozo, Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e Janaína Paschoal, por exemplo, ocupam muito mais tempo de tela. Deste modo, Maria Augusta Ramos impede que o filme gire em torno de uma única personalidade. O roteiro dá um passo atrás e decide estudar o estado da nossa configuração política atual, para compreender de que maneira os eventos de 2016 puderam se produzir. Dilma é a conclusão de um mecanismo, não o seu meio. Antes disso, é preciso compreender a Lava Jato, a queda de Eduardo Cunha, o “grande pacto nacional, com o Supremo, com tudo”, o papel desempenhado por Aécio Neves, a pressão de Michel Temer, os votos dos congressistas “em nome da família, da minha esposa e do meu time de futebol” e muitos outros fatores. Estes episódios desfilam em tela, em ordem cronológica, com letreiros informativos.

    A diretora não facilita a vida do espectador. Com 137 minutos de duração, o projeto é extenso, verborrágico, repleto de termos técnicos e jurídicos. Ao invés de se concentrar na histeria coletiva das ruas ou na condenação prévia da mídia hegemônica, Maria Augusta Ramos permanece nos corredores do Senado, escutando ambos os lados, vendo cada equipe discutir embargos infringentes, metas orçamentárias, emendas parlamentares, ajustes fiscais, porcentagens, datas, interpretações de leis etc. Não há cartelas com o nome dos políticos nem seus partidos: supõe-se que o espectador já conheça o posicionamento de Anastasia, Lewandowski, Kátia Abreu, Jandira Feghali, Requião, Rodrigo Maia etc.

    O andamento é frio e racional: O Processo tenta desmontar um a um os argumentos legais apresentados para a destituição da presidenta. A própria Janaína Paschoal, fervorosa porta-voz da oposição, afirma que Dilma cairia pela vontade das ruas, e não pelas leis. O documentário visa demonstrar que, pelo ponto de vista jurídico, não houve crime de responsabilidade e, portanto, não houve motivo para o impeachment. Com o acúmulo de discussões, são raros os momentos de respiro além de cortes secos para uma tela preta, ou curtos inserts dos arredores do Planalto pela manhã.

    A cineasta não busca grandes sacadas de montagem, nem a criação de efeitos poéticos, metafóricos, ou ainda a captação de imagens externas ao universo político. O espectador fica focado da primeira à última cena nos mesmos personagens, os mesmos corredores, criando uma exaustão pertinente ao circo de absurdos. A propósito, um político evoca “O Processo”, de Franz Kafka, no qual o personagem principal também é condenado sem crimes, num julgamento orquestrado e sem possibilidade de defesa justa.

    Com este projeto, Maria Augusta Ramos não traz revelações bombásticas sobre os bastidores da política nacional, nem apresenta imagens esteticamente deslumbrantes. Sua preocupação se encontra na articulação de uma quantidade imensa de informações de modo lógico, claro, e capaz de retratar ambos os lados sem caricaturar a oposição – embora tenha um posicionamento crítico evidente. Este é um cinema político assumido como tal, de vocação progressiva, libertária, de esquerda. Acima de tudo, é um cinema que acredita no valor da argumentação, elemento cada vez mais raro na sociedade e na mídia atualmente.

    Filme visto no 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2018.

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    Comentários

    • Yuri Sucupira
      Alguém aqui já leu o texto do pedido de impeachment? Se não, leia e tire suas próprias conclusões. Procure no Google por descargables/2015/12/03/753f58eed8d66adf4ad11129cb833401.pdf (sem as aspas) que você encontrará: estará com o título peça, no resultado da pesquisa no Google.Documentário, seja a favor ou contra o impeachment, é só enrolação. Já a argumentação técnica exposta no pedido pode ser confrontada com as leis, os decretos assinados pela presidente etc. para se averiguar o que procede e o que não procede, no pedido de impeachment.
    • Ademar Amâncio
      Adoro documentários.
    • Juliana Mirele Messias
      É um documentário, não tem casais felizes nem super-heróis. Pré indicado ao Oscar 2019. Se trata de uma obra histórica documental.
    • Juliana Mirele Messias
      Cara, vc terá vergonha desses coments no futuro.Envergonhada agora por vc.
    • Eduardo Motta
      Perfeito! faltou apenas o processo citar que Dilma representava um partido corrupto que teve TRÊS tesoureiros presos, arruinou o pais e suas estatais, formou quadrilha com os maiores empresários do pais e cometeu estelionato eleitoral ao anunciar dias antes da eleição que o pais estava uma maravilha, enquanto pedalava para manter as aparências na economia, o Impeachment foi justíssimo!
    • salwensko
      O filme busca retratar os argumentos utilizados para justificar o afastamento da Dilma.Basicamente isso. Pelo que se depreende dos registros, já havia a intenção de se destituir Dilma, uma decisão política em que o processo de impeachment era apenas um requisito para alcançar esse objetivo. Independente de qualquer opinião, se Dilma deveria ou não ser destituída (muitas pessoas desejavam isso), o que é interessante no filme é essa vontade, essa necessidade de retirar Dilma do poder e como isso se deu processualmente.O que fica, pelo que é mostrado no filme, é o impeachment como uma farsa, como um jogo de cartas marcadas para que tal objetivo fosse alcançado. Os ritos foram seguidos, constitucionalmente, mas tais ritos são a aparência de uma legalidade esvaziada de conteúdo. Claro que quem era a favor do impeachment não liga para isso. Desde que Dilma fosse retirada do poder, tanto faz se as acusações fossem embasadas tecnicamente ou não. É isso o que o filme tenta mostrar.
    • Paulo A.
      O fato é que esse senhor, o exaltado e incensado Lula, roubou, orquestrou uma grande quadrilha para manter o poder ad infinito. Foi pego levando o dele (até o momento apareceram apenas migalhas, falta o dinheiro grande nas contas no exterior), mas enfim, já cumpre pena por um de seus processos. Então esse cidadão politicamente importante, é um delinquente. É disso que se trata. Essa história de golpes, de perseguição só cola para os militontos, ou para os messiânicos.
    • Ferreira Felipe
      ... seu comentário dá a entender q se baseou, primeiramente pela imagem vendida pela mídia... de uma pessoa (a presidente) desnecessária e incompetente... mas termina não admitindo q foi midiotizado, na medida em q percebeu q ela (a presidente) não 'daria' nenhuma esperança de socorrer os políticos investigados na Lava-jato... um posicionamento digno e esperado de quem ocupa um cargo dessa envergadura...
    • Paulo Santos
      Gosto de assistir e ler sobre coisas com as quais posso não concordar. O impeachment chegou num ponto em que era inevitável. A Dilma virou chacota nacional com as mancadas que dava. Ao continuar avaliando os acontecimentos, deu para ver o quanto ela, na sua incompetência, não dava nenhuma esperança de socorrer os políticos investigados na Lava-jato. Trocar o governo de mãos era esperança para os investigados trocarem o Procurador Geral, o Ministro da Justiça, o Diretor Geral da PF, etc. Um grande pacto nacional, com o Supremo e tudo, esse foi o fator mais importante para o impeachment na minha opinião hoje. O resto seria relevado pelos políticos.
    • Marcia H Trovao
      Le Monde/FrançaÉ a inteligência de Lula versus a onipresença da superestrutura política devidamente instalada no poder. É um duelo de gigantes. De um lado, todo o poder judiciário, toda a imprensa corporativa, todo o empresariado, todo o volume de recursos das máquinas públicas à mercê do partido antagonista, todo ódio de classe e todo poder de uma emissora de televisão que detém 80% do bolo total de publicidade do país. Do outro lado, Lula.Não interessa prender Aécio. Não interessa prender Aécio, Jucá, Temer et caterva. Essas pessoas são politicamente irrelevantes aos olhos dos Estados Unidos. O problema da estratégia global é que Lula uniu a América Latina, entrou pela África, era importante nos BRICs. Ali havia a proposta de um banco de investimento independente do Banco Mundial, e a criação de uma moeda independente do dólar. Ora, todas as vezes que alguém tentou enfrentar o sistema dólar foi assassinado: Kadafi na Líbia, Saddam Hussein no Iraque. Portanto, o único cidadão brasileiro politicamente importante para os Estados Unidos é Lula.
    • Celso Filho
      O andamento é frio e racional: O Processo tenta desmontar um a um os argumentos legais apresentados para a destituição da presidenta. Se o crítico tivesse começado com esta frase sua explanação, pouparia muito tempo de leitura inútil.
    • Alex Freire
      Ao descer a aba de comentários um único cidadão participa de 90% das discussões numa intenção clara de impor suas ideias, a defesa cega deste tema ou é em benefício próprio, ou seja, está diretamente se beneficiando deste circo que foi o impeachment, ou é pura ingenuidade mesmo, são tantos dados que mostram o quanto o país piorou, não possível acreditar que é tudo herança, temos 1 trilhão de arrecadação, reservas internacionais, é só pensar um pouco, o partido anterior tinha diversos problemas, e há de se pagar por isso, mas o que aconteceu neste caso e o caos que o país está enfrentando só não vê quem não quer. Feliz de ter amigos que bateram panelas e hoje reconhecem que foi um erro, isso chama-se consciência, não é para todos.
    • Dario Alberto Requena
      Explicar pra burro? kkkk Dá não ...kkkkk. Rivotril melhora...
    • Enio
      Seu argumento (totalmente parcial) apenas reforça o quanto o fanatismo por uma pseudo e inexistente ideologia de esquerda ocupou o lugar do que deveria ser o compromisso do cidadão para com o país e não a devoção sega a uma figura política (Lula) ou a um partido político (PT) cuja diferença dos demais está apenas na sigla e na cor, pois na prática e no modos operante é igual aos demais... Na verdade é pior, pois conseguiu iludir não só a classe pobre, desinformada e encabrestada mas também uma parcela de intelectualoides obstinados e irracionais.
    • Erimosi Komma Ergatis
      Sabe a diferença entre um petista e rm psolista ?Jogue grama pra ele.Se fumar, é do PSOL.Se comer, é do PT.
    • Paulo Bourguignon
      Respeite a anta.
    • Paulo Bourguignon
      kkkkkkkkkkkkkAté aqui vc o encontrou?!rsrsrsrsrsrs
    • Paulo Bourguignon
      Leia o q o Cincerus escreveu, deixe de ser preguiçoso: Infelizmente, para cada esquerdopata, existem muitos DIREITOFRÊNICOS ----------------------------------------------------------------------------------Preciso desenhar?
    • Paulo Bourguignon
      Sou hétero, mas tenho certeza q os locais q vc frequenta é fácil encontrar caras q te façam o q deseja.
    • Paulo Bourguignon
      Qual sucesso? Ficou em 3º no quesito documentário, onde concorriam 5.Pare de se informar somente por panfletos de sindicatos e LGBT.
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