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    O Peixe
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    O Peixe

    Indiferença à magia

    por Bruno Carmelo

    A produção franco-mexicana O Peixe parte de um motor criativo simples: a introdução da fantasia dentro da estética do documentário. O que você faria se estivesse assistindo a cenas da realidade, e se confrontasse subitamente com um elemento mágico, impossível de acontecer? Você acreditaria nele? Deixaria de aderir ao filme a partir deste momento, ou talvez questionasse a veracidade de tudo que estava vendo até então? O projeto se articula como provocação, exercício metalinguístico.

    No centro da trama encontra-se um homem adulto, cantor de restaurantes populares, que vive com a mãe idosa. Sua rotina é entediante, assim como a relação com o filho adolescente. Tudo poderia mudar – ou deveria mudar – quando uma metamorfose acontece dentro de seu modesto apartamento, e o protagonista se vê responsável por um peixinho que cresce em proporções assustadoras dia após dia. Revelar mais informações seria desnecessário: a ideia é descobrir a fantasia adentrar o mundo de um homem banal. Para o diretor Martin Verdet, o realismo fantástico é a melhor maneira de representar a vivência do cidadão médio.

    O procedimento produz dois efeitos curiosos. O primeiro deles diz respeito à atenção portada aos detalhes, e à inesperada sugestão de erotismo. Preparando o espectador à transformação da história, Verdet aproxima a sua câmera de elementos muito simples – uma pedra vibrando no chão, uma aranha, uma uva, um ovo cozido – e busca retratá-los de modo fora do comum. Ressaltando os sons dos sucos e gosmas, o diretor aposta numa sensualidade inesperada dentro daquela vida tão pacata, e jamais concretizada em atos sexuais. Tudo soa como um exercício, um desafio imposto a si próprio: o diretor busca se apropriar do material menos interessante do modo mais especial que consegue.

    O segundo efeito diz respeito à banalidade da magia. Se você testemunhasse uma metamorfose de ser humano em peixe em sua vida, ficaria intrigado? Tentaria descobrir de onde veio o caso, como revertê-lo? Mas o protagonista de O Peixe não pensa assim. Quando se vê diante de uma pessoa-peixe, passa a cuidar do bicho como se nada tivesse acontecido. A incursão da fantasia serve, por definição, a perturbar a lógica realista, porém o projeto decide tratar o inesperado como se fizesse parte da banalidade cotidiana. A rotina de ninguém é substancialmente alterada pela transformação.

    Entre frustrações voluntárias e guinadas inesperadas, o filme não para de contradizer a si mesmo. Ele deseja explorar as consequências da fantasia, para suspendê-las logo depois; deseja obter o máximo do naturalismo, apenas para sabotá-lo em seguida; pretende criar uma identificação com o personagem ordinário, mas sem fornecer elementos para acessar sua psicologia e suas motivações. O Peixe decepciona como experimento cerebral, já que seu conceito se dispersa, e também como fábula cotidiana, pela incapacidade de conduzir a um discurso ou estética próprios. Verdet investiga, brinca, monta e desmonta suas peças, mas não forma um conjunto coerente no final.

    Filme visto no X Janela Internacional de Cinema do Recife, em outubro de 2017.

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