Minha conta
    Em Que Tempo Vivemos?
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Em Que Tempo Vivemos?

    Tempo de tragédias

    por Bruno Carmelo

    O tema deste projeto coletivo constitui uma armadilha. A responsabilidade de fazer um filme sobre “o tempo em que vivemos”, em duração curtíssima, encarregando-se de representar a essência de cada um dos países envolvidos (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) só poderia resultar em algo aquém das imensas ambições. Talvez a solução fosse fugir à proposta e partir para algo pontual, minimalista, que aludisse aos aspectos propostos. No entanto, nenhum dos cinco diretores envolvidos pensou desta maneira.

    Pelo contrário, todos embarcam em projetos narrativos e lineares, mini-longas metragens que correm para transmitir, em cerca de 20 minutos, a situação atual das pessoas com a tecnologia, com os mais velhos, com a natureza, com a História. O elemento em comum foi a tragédia: os cinco projetos lidam diretamente com a questão da morte envolvendo entes queridos. A convergência ocorre na ideia de que o aprendizado, ou a comunicação com o público, ocorre acima de tudo no nível das emoções, ao invés da razão. O presente é sombrio, de acordo com esses diretores, mas se existe alguma esperança para o futuro, ela se encontra no amor romântico e no amor familiar.

    O projeto evidencia a dificuldade em trabalhar com metonímias, metáforas – em outras palavras, a dificuldade de representar os problemas atuais, ao invés de ilustrá-los. Walter Salles, ao abordar a catástrofe ambiental em Mariana, tenta embutir em seu curta-metragem três passagens temporais, um drama familiar, material verídico da tragédia e um romance. São elementos em excesso para pouco tempo e pouco desenvolvimento, apesar da competência da produção e da bela atuação de Maeve Jinkings. Jia Zhang-ke, ao se concentrar na flexibilização das leis chinesas sobre o filho único, força seus personagens a repetirem o fato quatro vezes. Para que tamanha repetição? Para que insistir no melodrama como gênero adequado à representação da atualidade?

    Os três outros curtas-metragens, no entanto, apostam em gêneros diferentes, mas atingem resultados muito mais fracos. A farsa, opção do capítulo russo, seria uma boa solução ao trazer ironia e distanciamento, porém o cineasta Alexey Fedorchenko explora uma trama maniqueísta de abuso doméstico. Os trabalhos indiano e sul-africano são particularmente mal engendrados: enquanto o primeiro, dirigido por Madhur Bhandarkar, investe numa odisseia insuportável de bons sentimentos, com o burguês idoso descobrindo a alegria através de um garoto pobre, o segundo, comandado por Jahmil X.T. Qubeka, investe na ficção científica distópica, sem ter os recursos financeiros, o tempo nem o refinamento de personagens necessários para tal.

    O que se compreende, por fim, sobre a percepção de mundo e de cinema desses diretores? Eles apostam em exterioridades, na exemplaridade de sintomas das transformações sociais: o individualismo, a busca do lucro a qualquer preço, a falência da política. Em que Tempo Vivemos? oferece uma importante, porém óbvia, denúncia sobre a crise das instituições tradicionais. Se promovesse reflexão, estimulasse alguma provocação, estabeleceria uma comunicação mais interessante. O intuito humanitário, por mais louvável que seja, não pode ocorrer em detrimento das especificidades do meio empregado. A temática se enfraquece quando é colocada acima da forma.

    Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.

    Quer ver mais críticas?

    Comentários

    Back to Top