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    O Futuro Adiante
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    O Futuro Adiante

    Amigas e rivais

    por Taiani Mendes

    “Mulheres não são amigas de verdade”. “Uma mulher nunca deve confiar em outra”. “Não existe relacionamento entre duas mulheres sem competição”. Tal noção é tão presente na sociedade que foi necessária a criação de um termo – sororidade – para reforçar o seu oposto, a irmandade feminina. Sem negar o clima de disputa para exaltar a profunda conexão que pode existir entre duas mulheres, O Futuro Adiante acompanha Florencia (Violeta Narvay) e Romina (Victoria Parrado), inseparáveis amigas de colégio que têm personalidades e estruturas familiares distintas. Romina tem uma irmã caçula e foge de casa para não ouvir as brigas dos pais. Flor vive apenas com a mãe num amplo apartamento e dorme sozinha com frequência. As duas dançam juntas, gostam de um menino chamado Mariano e sabem de cor as falas do telefilme Nadia (1984), cinebiografia da lendária ginasta romena Nadia Comăneci.

    O tempo avança, elas se afastam e não vou dizer que adultas elas se tornam para não estragar uma das melhores coisas do filme de Constanza Novick: a surpresa de cada mudança de fase. Em seu primeiro longa-metragem, a diretora e roteirista apresenta muito boa construção de personagens e ritmo, dedicando a duração ideal a cada momento da vida das melhores amigas e manipulando com habilidade prognósticos, expectativas e realidades. O amadurecimento das protagonistas as transforma – às vezes pouco, às vezes muito –, mas elas jamais perdem os traços de personalidade apresentados na primeira parte, mérito também das excelentes atrizes Dolores Fonzi (Paulina) e Pilar Gamboa (O Incêndio), inclusive parecidas fisicamente com as adolescentes. Desafios, prioridades e sentimentos se alteram com o passar dos anos de maneira bastante natural na comédia dramática, nada parecendo forçado ou não condizente com o que veio antes. Os conflitos evoluem e o próprio significado do ser melhor amiga é trabalhado e retrabalhado de maneira fluída, incluindo a obra no hall dos bem feitos e interessantes filmes argentinos recentes.

    Romina e Flor se desentendem e se ferem principalmente porque se conhecem muito bem e já passaram por muita coisa juntas. Trata-se de um relacionamento mais profundo e duradouro do que qualquer casamento. A total intimidade dá abertura para Flor, que faz o tipo “sincerona”, não medir palavras sobre a vida da amiga em sua cara, sabendo que será sempre perdoada. A velada competição pessoal e profissional as coloca nos papeis de Nadia Comăneci e Teodora Ungureanu na cena favorita do longa da infância, um dramático embate entre colegas sobre ser o centro das atenções. A disputa das mulheres, no entanto, não tem a ver com uma querer puxar o tapete da outra. Elas desejam estar simultaneamente satisfeitas no trabalho e no amor, compartilhando o mesmo nível de realização sem a história do gramado da vizinha ser mais verde. Nesse sentido a diretora é bem-sucedida intercalando os altos de baixos de cada uma, além de especialmente feliz ao mostrá-las evocando suas mães no relacionamento com as respectivas herdeiras.

    Divertido, extremamente feminino e tocante, O Futuro Adiante representa a inabalável força de uma intensa amizade genuína ao mesmo tempo em que retrata a transformação de filhas em (suas) mães e mulheres às voltas com desejos, memórias e laços. O tempo passa, mas certas coisas são imutáveis.

    Filme visto no 19º Festival do Rio, em outubro de 2017.

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