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    Clara Estrela
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Clara Estrela

    Serena

    por Taiani Mendes

    Eternizada como “a mineira guerreira”, Clara Nunes derrubou tabus, quebrou barreiras e aproximou o Brasil da África sem estardalhaço, discursos ou polêmicas. Lutava no palco, tendo a música como arma e a notória reserva inerente aos filhos de Minas Gerais como armadura. Clara Estrela conta os quarenta anos de vida da comedida revolucionária seguindo seu estilo, linearmente, fracassando, no entanto, em conseguir evocar a emoção de sua arte.

    O documentário dirigido por Susanna LiraRodrigo Alzuguir adota a estratégia “sem erro” de diário, narrado integralmente pelas palavras da própria Clara (interpretada por Dira Paes nas declarações registradas apenas em texto). A fala calma e sorridente da cantora, emulada pela atriz, guia amorosamente o público pela bem amarrada viagem retrospectiva, que não provoca arroubos nem reserva ao espectador conhecedor de sua biografia grandes novidades, mas cumpre o papel de perpetuar cinematograficamente a valorosa trajetória de uma das maiores artistas da música brasileira.

    Clipes, fotos, reportagens, apresentações em programas de televisão e uma longa entrevista concedida a Marília Gabriela compõem as imagens do filme, que recorre a cenas sem personalidade de “cheiro de mato, terra molhada”, areia nos pés e caminhada na água para cobrir alguns offs. Qualquer registro de arquivo emudecido de Clara, no entanto, se encaixaria melhor na produção do que os trechos pontuais pretensamente artísticos e poéticos, mas em verdade apenas literais.

    Sem muitas gravações de shows, Clara Estrela a preserva tão distante quanto o céu ao exibir parcos contatos da artista com o público e decepciona os que esperam um sing along de seus sucessos. A cartada dos hits inesquecíveis só é usada na engrenada segunda metade do filme e, considerando a quantidade de canções da retratada, é até econômica. As principais músicas, porém, estão presentes, assim como a Portela, a viagem a Angola, o casamento com Paulo César Pinheiro e a aclamação internacional.

    O “aulão” em primeira pessoa pode ser limitador em alguns aspectos - afinal qualquer um se vê e se descreve de maneira diferente de como é enxergado pelos outros -, mas por outro lado é de certa maneira revelador. Clara desmente a fama de apolítica, fala abertamente sobre a construção da persona que ficou marcada no imaginário popular e do orgulho em inspirar e ser imitada por outras cantoras. O feminismo e a defesa da liberdade religiosa são expressos muito mais por atitudes do que ditos e é assim também justificada sua alcunha de guerreira, tendo passado por vários gêneros musicais, cidades, minúsculos quartos compartilhados e diversos empregos antes de enfim ser reconhecida, tomar as rédeas da carreira e ser amada pelo Brasil.

    Tratando-se do retrato da lendária filha de Ogum com Iansã, aguardar algo explosivo e é a expectativa natural, porém (re)vendo como agia Clara Nunes em seus calculados movimentos graciosos e decisões corajosas, faz sentido que o longa-metragem busque ser como ela: um rio aparentemente tranquilo e calmo que é pura correnteza abaixo da superfície. Clara Estrela não chega a avançar além da profundidade baixa, mas em contrapartida oferece o prazer de ouvir exclusivamente "a tal mineira" por 70 minutos.

    Filme visto no 10º Festival CineMúsica, em novembro de 2017.

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