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    Eu, Pecador
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Eu, Pecador

    O candidato confuso

    por Taiani Mendes

    Diretor de 82 Minutos, sobre a Portela; Caro Francis, sobre Paulo Francis; Alô, Alô Terezinha!, sobre Chacrinha; e Cauby – Começaria Tudo Outra Vez, sobre Cauby Peixoto; Nelson Hoineff desta vez volta seu olhar documentarista para o sempre polêmico Agnaldo Timóteo. Tendo como norte a campanha do cantor à Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro em 2016, Eu, Pecador intercala momentos de sua extensa trajetória parlamentar com sucessos da carreira musical e discursos bastante contraditórios, tanto em termos políticos e artísticos quanto no que diz respeito à sua orientação sexual.

    Aparentemente adotando Gretchen Filme Estrada como modelo na realização de longa-metragem sobre celebridade decadente em busca de votos, Nelson dedica minutos e mais minutos à distribuição de santinhos, aperto de mãos, carreatas e execuções ao vivo do jingle do vereador. Impedido de filmar os bastidores suculentos da campanha, onde estão o sangue, o suor, as lágrimas e os gritos, fica preso ao corpo a corpo que rende no máximo tentativas bêbadas de invasão ao carro do candidato, desprezo e acusações de racismo em tom de brincadeira. Dialogando com tais trechos são mostrados descontextualizados discursos escandalosos de Timóteo na Câmara dos Deputados e na Câmara Municipal de São Paulo e entrevistas em que comenta doações que recebeu do bicheiro Castor de Andrade, o absurdo que é não poder mais empregar seus parentes no gabinete e o às vezes amor, às vezes ódio por nomes como Leonel Brizola, Paulo Maluf, Lula e José Serra. É impossível não se divertir com as opiniões despachadas e cínicas disparadas pela voz de "Quem É?" com a cara mais lavada do mundo.

    O poder das afirmações questionáveis para o entretenimento e a indisposição de Agnaldo para abrir o jogo quando o assunto é a tentativa de voltar à Câmara Municipal do Rio de Janeiro levam o diretor a fugir do tema inicialmente proposto. Ataques à chatice, falta de voz e privilégios desmerecidos do lendário João Gilberto são reprisados ao ponto de toda a graça se esgotar. Especulações sobre sua sexualidade – assunto delicado que fez até Hoineff reeditar o filme, sendo a versão que vi diferente da original exibida no Festival do Rio – ocupam ampla duração do doc, parte que contém também seus maiores sucessos, canções obviamente homoeróticas que ilustram seu encantamento por negros deslumbrantes e o sofrimento do desejo reprimido. Contraditória anteriormente, a falação de Timóteo torna-se completamente incompreensível e destacam-se as quase hilárias (de tão confusas) participações nos programas televisivos Agora é Tarde e Superpop.

    Mal dividido em capítulos que na prática abordam os mesmos assuntos, Eu, Pecador tem boas sacadas irônicas – como a abertura usando o clássico engano Agnaldo Timóteo/Agnaldo Rayol/Cauby Peixoto, a oposição de falas incoerentes e as curiosas interações com o afilhado Marcelinho –, mas em geral é terrivelmente montado. O caminho da política para as canções e o sexo não é orgânico, muita coisa se alonga sem necessidade e as cenas de campanha em carro aberto parecem as mesmas, repetidas ad eternum como o ataque ao pai da Bossa Nova, as declarações de amor a Fernando Collor e a reclamação de que os negros não o apoiam nas urnas – que deveria ser aprofundada, mas o cineasta pouco se dá ao trabalho de tirar o artista da zona de conforto das "bombásticas" frases pré-fabricadas, deixando-o dizer o que quer e o quanto quer.

    Vídeos são apresentados na pior qualidade do Youtube e até as sequências filmadas exclusivamente para o longa-metragem estão longe do aceitável no cinema profissional. Agnaldo dá entrevista a Nelson sentado todo torto num sofá, desalinhado e enquadrado em planos esquisitos, estranho desleixo que também prejudica a beleza dos números musicais, quando a câmera percorre sua face encharcada de suor sob uma trabalhada iluminação cênica.

    Inconstante como seu protagonista, Eu, Pecador contagia nos melhores (piores) momentos de Agnaldo Timóteo, mas não vai além da insatisfatória junção de dois médias incompletos.

    Filme visto no 10º Festival CineMúsica, em novembro de 2017.

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