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    Depois do Fim dos Tempos
    Críticas AdoroCinema
    1,0
    Muito ruim
    Depois do Fim dos Tempos

    A reintegração do homem à natureza

    por Sarah Lyra

    Filme alemão sobre apocalipse zumbi, Depois do Fim dos Tempos é uma daquelas produções que tropeça na própria ambição. A ideia aqui, como geralmente é o caso no subgênero, é usar o caos como pano de fundo para falar de comportamento humano. Aliado a isso, há também uma tentativa de refletir sobre questões ambientais e o fato de estarmos destruindo o planeta com nossa ganância. O problema é que o longa nunca aprofunda suas questões, e entrega um resultado final raso que passa longe de ser tão poético e reflexivo quanto tenta parecer.

    No cenário apresentado pelo filme, apenas duas cidades sobreviveram ao vírus que aniquilou grande parte da população do país. Uma delas, Weimar, adota o sistema de matar imediatamente qualquer indivíduo minimamente infectado, enquanto a outra, Jena, investe em estudos para alcançar um possível tratamento. Com essas informações postas através de letreiros na abertura, o roteiro se limita a avançar com a história sem nenhuma intenção de mostrar os efeitos dessas escolhas na população que habita as cidades — ou ao menos Weimar, onde a história se inicia. Sem essa contextualização, é difícil compreender os motivos que levam duas mulheres a fugirem rumo ao desconhecido. Os impactos emocionais gerados pela tragédia no primeiro dia de trabalho da protagonista Vivi (Gro Swantje Kohlhof), por exemplo, que imediatamente se transforma em uma tentativa de suicídio, nunca recebem a devida atenção. Não há a intenção de trabalhar as nuances da personagem, e tampouco conseguimos compreender os motivos que a levaram a habitar um hospício.

    Os percalços empregados na jornada de Vivi e Eva (Maja Lehrer) falham em criar qualquer tipo de suspense ou estudos de personagens. Eva age como a típica durona incompreendida, que não hesita em se posicionar na linha de frente durante um confronto e está sempre se expressando de forma agressiva para manter distância dos demais. Não há nada de novo em sua personalidade, nenhuma particularidade que a diferencie das inúmeras personagens femininas colocadas de forma masculinizada para parecerem dignas de respeito e admiração. Eva, apesar do potencial, se torna uma acumuladora de clichês, sem ter a oportunidade de conduzir a própria história. Vivi é igualmente subutilizada, sendo retratada como uma menina inofensiva e incapaz de se defender, recorrendo constantemente à Eva para se manter viva.

    No que diz respeito à ambientação, o filme consegue ser ainda mais genérico. Priorizando os espaços rurais, assim como a maioria das produções do tipo, o longa abre mão de apresentar ameaças e interações com zumbis — ou até com humanos, já que a barbárie da nossa espécie diante de um mundo sem regras costuma render boas reflexões — à medida que a dupla avança na viagem. Há um elemento ou outro em momentos muito específicos, mas, de maneira geral, não é possível absorver a ideia de caos a qual os personagens constantemente se referem, o que nos faz questionar do que exatamente as personagens estão fugindo e se o destino idealizado é realmente a solução. Da maneira como é colocada, em Weimar só há espaço para o autoritarismo (e é interessante notar como nenhuma figura de autoridade é realmente destacada), enquanto Jena é vista como a salvação. 

    Apesar dos pontos elencados, é na noção de ordem a partir do caos que a produção realmente derrapa. Quando um terceiro personagem entra em cena, a mensagem fica evidente: uma vez que os humanos retornem a um estado primitivo, eles serão reintegrados à natureza. Portanto, mais do que trabalhar as complexidades de um novo mundo ou refletir sobre a vida em sociedade, Depois do Fim dos Tempos opta por uma lição de moral vazia e simplista, cuja essência está em afirmar que a natureza reassume o controle como forma de se equilibrar e se manter viva, por mais que tentemos destruí-la.

    Filme visto na 43ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2019.

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