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    A Telenovela Errante
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    A Telenovela Errante

    Comédia do absurdo

    por Bruno Carmelo

    No começo, uma legenda explica que Raul Ruiz concebeu nos anos 1990 um filme chamado “A Telenovela Errante”, mas nunca chegou a concluir o projeto, apesar de ter algumas imagens gravadas. Agora, muitos anos mais tarde, a colaboradora regular do cineasta, Valeria Sarmiento, resolveu dar forma às cenas esparsas, interpretando o título de maneira literal e propondo uma paródia da linguagem peculiar às telenovelas.

    O resultado pode constituir um choque para os fãs de Ruiz: o humor nonsense proposto por Sarmiento não encontra eco em nenhuma obra do veterano. Até aí, sem problemas: é compreensível que a cineasta encaminhe o projeto a rumos de sua escolha, e transformando a premissa num projeto autoral. Mas a comédia corrosiva surpreende pelo agenciamento anárquico das ideias. Quem imaginaria esquetes sobre um homem com pêlos nas palmas das mãos, um casal apaixonado segurando pedaços de carne crua ou pessoas com “H” no nome frequentando um bar chamado “Aqueles com H”?

    Entre os fragmentos desconexos, cenas de traição se misturam com cenas de gângsteres ou ainda com encontros fortuitos entre amigos na rua, tudo regado a diálogos abertamente artificiais e enquadramentos privilegiando os rostos, como de costume nos produtos televisivos. O filme brinca com os clichês de gênero enquanto debocha, como pano de fundo, de alguns elementos da política chilena, em especial a paranoia da classe dominante em relação ao comunismo. O humor é movido pela sucessão veloz de tiradas verbais, como de costume em programas de apelo popular.

    É uma pena que a comicidade não emita um comentário organizado sobre a sociedade chilena. A Telenovela Errante pode despertar muitos risos no início da projeção, quando a estrutura é novidade, mas logo se percebe que o formato não se desenvolve, e Sarmiento tem pouco mais a oferecer do que a paródia. As imagens originais, captadas por Ruiz, aparecem algumas vezes na tela dos televisores, enquanto o conjunto se limita às cenas subversivas em termos narrativos, mas um tanto brandas como visão de mundo.

    Entre os elementos dispersos, é fácil encontrar momentos mais inspirados, e outros menos relevantes, ou ainda repetidos. O espectador pode ter o prazer de ver um pequeno grupo de atores interpretando diversos personagens, com foco em arquétipos marcantes da cultura latino-americana. Mas é uma pena que o humor gire em círculos e se recuse a desenvolver sua estrutura inicial. Poesia Sem Fim, outra obra chilena recente, usava o absurdo como forma de comentar o mundo, partindo de elementos lúdicos para representar uma violência real. Já A Telenovela Errante se fecha em si mesmo, satisfeito com a metalinguagem.

    Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.

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