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    Yara
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Yara

    Romance de verão à libanesa

    por Renato Furtado

    O Vale do Kadisha, no Líbano, ao sudeste da cidade de Trípoli, é uma região isolada, repleta de escarpas e montanhas belíssimas que ampliam a santidade local, um reconhecido retiro monástico cristão, um dos mais primitivos do mundo, conhecido por seus mosteiros antigos e sua geografia sinuosa e selvagem. Guiados pela contemplação desta vida rural de animais, céus extensos e paisagens iluminadas pelo sol que cai no fim da tarde, demora até percebermos a presença humana, a presença de Yara (Michelle Wehbe), a protagonista de um filme peculiar, que se equilibra na fronteira entre a ficção e a realidade.

    Habitando um registro temporal singular, dilatado e muito próprio, o quinto longa-metragem do documentarista Abbas Fahdel (Terra Natal) é um oblíquo retrato do isolamento, da solidão, do peso das tradições e da imobilidade de territórios tão ímpares como o que serve de cenário para este drama intimista, indicado ao Leopardo de Ouro no Festival de Locarno 2018. Uma história de amor de verão em seu íntimo, Yara também é uma verdadeira faca de dois gumes em seu cerne: seu hermetismo, característico do paciente cinema árabe, é tanto uma bênção, quanto uma maldição.

    Apoiando-se em longos planos que representam o universo campesino do Vale do Kadisha, o cineasta nos faz imergir em um fluxo cinematográfico misterioso e "pontiagudo", que evita a linearidade e as tradições narrativas ocidentais e não nos convida de imediato à trama. Até finalmente romper com o cotidiano e a repetição, e enfim assumir o conflito central entre a protagonista-titular e seu antagonista/interesse amoroso, Fahdel objetiva transformar Yara em um verdadeiro desafio: antes de mais nada, é preciso contemplar, refletir e esperar, como fazem os monges.

    É nesta empreitada que o realizador encontra alguns de seus melhores momentos, independentemente da etapa narrativa na qual se encontra. Baseada no choque entre a paisagem do rosto humano e a paisagem física da região do Kadisha, a fotografia deste drama combina planos de extrema profundidade — incrementando, assim, a ilusão de realidade — com enquadramentos de conjunto e closes simbólicos de espelhos, rifles e bichos. É só então, no instante em que já estamos deslumbrados pela beleza local, que surge aquele que opera como uma espécie de intermediário entre filme e plateia: Elias (Elias Freifer).

    Como todo bom elemento disruptor que se preze, o protagonista masculino de Yara surge repentinamente e, para piorar — estando no contexto em que o peso da religião católica e dos costumes tradicionais dão a tônica —, ele também surge ocidentalizado. Seu par de tênis da Adidas, suas perguntas sobre o sinal de celular, sua impressão de que é bucólico viver no meio do nada, distante das pressões urbanas: em outras palavras, o personagem é exatamente como nós e não demora, igualmente, para que ele também fique encantado por Yara e pelos arredores.

    Pela naturalidade de suas performances, tanto Wehbe quanto Freifer, que se lançam como intérpretes nesta obra, caem como uma luva na hábil condução de Fahdel, que extrai o melhor de seus novatos. Assim, ambos soam, de fato, como Yara e Elias. Soam como dois jovens de mundos completamente distintos — cujas histórias pregressas não conhecemos muito bem, salvo raras alusões e referências às mesmas — e, finalmente, como dois jovens que se apaixonam apesar de todas as suas diferenças. Revelar atores tão competentes e gerar um romance tão crível são, certamente, os principais triunfos de Yara.

    De fato, a história de amor de verão que fundamenta este longa é tão pungente e potente quanto é porque soa real, porque soa natural. A aproximação desajeitada, o deleite do flerte inicial, a alegria da conquista e a inevitabilidade do fim, pontuada por inteligentes enquadramentos aprisionantes — Yara e Elias têm seu espaço de movimentação frequentemente delimitado por quadros dentro dos quadros, formados por grades, umbrais, portas e por outros obstáculos visuais, incluindo as próprias montanhas e o firmamento —: tudo isto contribui para o romance funcionar em um nível tão legítimo e empático.

    É justamente, portanto, a recusa de Fahdel em aprofundar pequenos, porém importantes detalhes, que acaba diluindo a potência de Yara, encarcerando o filme em si mesmo. Como existem poucos contextos explícitos, o hermetismo que antes se valia de elipses para construir uma relação verdadeiramente engajante, acaba também afastando aquele que testemunha a evolução do relacionamento. Interessado em simbolismos visualmente instigantes, como o espelho e o espectro que visita a casa da protagonista, o realizador acaba cruzando a linha tênue que separa o resguardo da "sonegação" de informações.

    A fuga à linearidade de Yara causa um embate entre duas leituras possíveis que, infelizmente, não contribuem para o melhor desenlace da obra: a abordagem fechada de Fahdel pode acabar sendo, consequentemente, entendida tanto como um compromisso puro com a realidade e com a verdade, quanto como uma saída pretensiosa, mais preocupada com a intelectualidade do que com a emoção. Ao usar a câmera como uma entidade puramente observacional, o realizador tenta operar em um território de extrema complexidade, no qual trabalham potências como Abbas Kiarostami e Cristian Mungiu, entre outros.

    Abbas Fahdel, apesar de seu inegável talento e de suas ideias promissoras, ainda não possui as mesmas inspirações que estes pares e ainda está distante do patamar de seus colegas supracitados. Sua determinação em perserguir a realidade ora é primorosa, ora é irregular. A quieta cena final, por exemplo, na qual a jovem protagonista se afasta de nossos olhares para todo o sempre, deixa um vazio ambíguo: é boa porque é bela, mas ruim porque é mal acompanhada. Na corda bamba que é a equação entre o mistério total e a explícita franqueza narrativa, Yara resulta satisfatório. Mas apenas ocasionalmente.

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