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    Eu Não Posso Esperar
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Eu Não Posso Esperar

    A câmera-joystick

    por Bruno Carmelo

    No drama dirigido por A.J. Edwards, o personagem principal é A.J. Edwards. Este é o típico cinema de autor no qual as imagens constituem as verdadeiras atrações, e o cineasta tem a certeza de poder deslumbrar o público com sua astúcia, suas câmeras giratórias em steadycam, o deslize dos seus drones, a beleza de suas paisagens. Colaborador de Terrence Malick, Edwards apresenta clara influência do veterano. Aqui, o formato de tela próximo do quadrado é combinado com as lentes grandes-angulares para provocar uma sensação de estranhamento, enquanto cada plano é móvel, com a imagem passando por cima, por baixo, pelos lados dos personagens, e mesmo perdendo-os de vista.

    Os pobres atores, em muitos casos, se limitam a ocupar os enquadramentos no canto exato para a passagem da câmera. Este é o caso em que o humanismo precisa se adequar à técnica, e não o contrário. Quando o tipo exótico interpretado por Caleb Landry Jones não serve mais à história, ele é simplesmente descartado. Richie (Tye Sheridan) e Joan (Imogen Poots) perdem-se de vista e depois se esbarram na rua em coincidências improváveis, mas afinal, a cidade parece não ter muito indivíduos além desta trinca de protagonistas. A verossimilhança da trama, que guarda um segredo trágico entre os amantes Richie e Joan, não constitui o foco do diretor.

    Isso é uma pena, até porque Edwards trabalha com bons atores, e tinha material suficiente para efetuar uma bela leitura dos novos marginais norte-americanos, abandonados pelas políticas econômicas e obrigados a recorrer à criminalidade para sobreviver. Quando o diretor enfim se lembra de que possui uma história humana por trás dos malabarismos da câmera, oferece momentos potentes como o assalto aos quartos de motel, filmado com energia e destreza. Neste momento, em poucos minutos, o projeto mostra a cara dos habitantes menos afortunados do país, cria tensão e descreve a personalidade dos personagens – a impulsividade de Swim (Jones) contra a cautela de Richie – melhor do que nos intrusivos momentos documentais.

    No entanto, a câmera logo se volta para grandes esculturas quadradas, iluminadas com focos multicoloridos para ornarem melhor os atores. Em outras palavras, Friday’s Child volta a ser arte pela arte, a estética pela estética. Quanto ao elenco, Sheridan se sai bem por criar um personagem contido – seria inútil disputar atenção com a direção de fotografia – enquanto Caleb Landry Jones interpreta o tipo limítrofe entre o antissocial e o psicopata pela enésima vez, e a britânica Imogen Poots luta para imprimir um sotaque norte-americano consistente. Havia ali no meio uma possibilidade interessante de debater a união entre marginais pelos rumos trágicos destinados a todos, mas a promessa não se concretiza.

    O drama se conclui como um filme-portfólio para o cineasta demonstrar sua capacidade de mexer a câmera e encontrar enquadramentos improváveis. Tamanha vaidade se sobrepõe ao que realmente interessa, no caso, a adequação da forma ao conteúdo. Diretores muito mais experientes já extraíram imagens comoventes de um saquinho de plástico voando ao vento, de uma chuva de sapos caindo do céu e do incêndio no corredor de um hotel decadente, em planos fixos, sem precisarem recorrer a tais estripulias. As classes baixas dos Estados Unidos certamente precisam de maior representatividade no que diz respeito à sua condição de vida, e não à maneira como brilham ao pôr do sol.

    Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.

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