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    Maria Callas - Em Suas Próprias Palavras
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Maria Callas - Em Suas Próprias Palavras

    O dom de divar

    por Taiani Mendes

    Documentários biográficos de personalidades geralmente são tão obcecados em acessar intimidades preservadas, que causa certo estranhamento a dedicação de Maria Callas - Em Suas Próprias Palavras principalmente às aparições públicas da soprano. Assim como era única na voz, no entanto, ela era única na forma como se revelava ao mundo, afeita a arroubos de sinceridade e arrogância, sempre magnética e deslumbrante. Segundo a própria, em fala colocada oportunamente na abertura do filme, é possível a descobrir por inteiro em seu canto, mas o diretor estreante Tom Volf escolhe desnudá-la em imagens, o que consegue parcialmente graças a vasto e belíssimo material de arquivo.

    O "Em Suas Próprias Palavras" do título nacional é verdadeiro: é basicamente Maria que é ouvida ao longo das duas horas de projeção, as raras exceções sendo alguns fãs e a mentora Elvira de Hidalgo, ambos derramando elogios. Numa escolha tocante, a francesa Fanny Ardant, que a viveu no drama Callas Forever, volta ao papel emprestando sua voz às cartas confessionais da artista, narradas em off. A junção com as imagens funciona melhor quando a ideia é de complemento, não mero reforço do que já foi dito em alguma entrevista usada, e as apresentações nos palcos surgem em quantidade reduzida, porém em números integrais, encaixadas de acordo com os temas das fases da vida de Callas. O cuidado que Volf tem de colocar o ano em cada filmagem, no entanto, não é seguido a respeito dos musicais, o que prejudica, para leigos, a compreensão da mudança de seu canto ao longo do tempo.

    É maravilhoso ouvi-la, porém o maior luxo do longa-metragem são realmente as imagens raras e interações com os jornalistas, que oferecem quase que uma versão alternativa chamada Maria Callas - Aos Olhos da Imprensa. Grande atriz, a nova-iorquina dominava de forma irresistível as câmeras, manipulando e enervando repórteres com sua postura tão encantadora quanto arredia, esbanjando altivez e preciosismo que em homens é admirável, mas para mulheres gera a fama de tempestuosa. É atribulado o relacionamento de La Divina com a imprensa, e uma pena que o diretor não explore isso mostrando capas de jornais da época,  conforme faz quando o assunto é o triângulo amoroso com Aristóteles Onassis e Jackie O.

    Se a leitura fosse a partir do cabo de guerra com os meios de comunicação, Callas sairia vitoriosa, todavia como as revelações da cantora são o guia, paira sobre o documentário a sombra da infelicidade, afinal de acordo com ela nenhum artista pode ser feliz. Frases de impacto como essa são tão comuns no repertório de Maria quanto árias de Donizetti e Rossini.

    Como a própria dizia, “a tragédia em pessoa”, Callas ganha em Maria Callas - Em Suas Próprias Palavras um presente de admirador servil, que respeita as definições de pauta da artista e, como a musa, se entrega desmedidamente à paixão. Encontrar suas dores na ópera e em correspondências é fácil, mas que bom que o filme proporciona o desafio de achar a verdadeira Maria Callas no aeroporto, no teatro, nos bastidores, nas raras folgas, em entrevistas e talk shows. Duas horas em sua companhia são dolorosamente deliciosas.

    Filme visto no 20º Festival do Rio, em novembro de 2018.

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