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    O Professor Substituto
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    O Professor Substituto

    Estado paranóico

    por Francisco Russo

    A sequência de abertura de O Professor Substituto de imediato envia ao espectador algumas mensagens, que apenas serão compreendidas no decorrer do filme. Se surpreende o tom seco com o qual é apresentada a tentativa de suicídio de um professor, que se atira de uma janela em plena sala de aula, o mais importante está nos detalhes. Mais exatamente, na reação sem pânico, mas surpresa, dos próprios alunos.

    Baseado no livro homônimo de Christophe Dufossé, o longa-metragem dirigido e roteirizado por Sébastien Marnier lida com a filosófica questão sobre como se portar diante do conhecimento - ou, mais exatamente, o quanto saber mais tende a um comportamento excludente, perante a sociedade. É o que acontece com um grupo de alunos da turma em questão, separada dos demais por estar avançada nos estudos. Fundamentados no raciocínio lógico, eles evitam ao máximo a emoção e fecham em si mesmos como se fossem uma seita, sempre superiores. Ao mesmo tempo em que tal postura e inteligência provoca fascínio e temor, em relação à direção da escola, eles atraem para si um certo estranhamento, especialmente de quem não está habituado a tal realidade.

    É o que acontece com Pierre Hoffman (Laurent Lafitte, competente), o tal professor substituto do título. Novato na escola, não demora muito para que confronte o comportamento tanto de seus alunos quanto da direção, seja através de atos ou mesmo expressões faciais, que tão bem ressaltam que há algo bastante errado ali. Trabalhar tal incômodo é o objetivo maior de Marnier, de forma a construir em torno do novo professor um estado paranóico que se reflete não apenas em suas divagações mas, também, visualmente. Se a sequência inicial do filme é absolutamente solar, mesmo exibindo uma tentativa de suicídio, basta notar o quanto a fotografia torna-se escura no decorrer do longa-metragem, refletindo o estado de espírito de seu personagem-título.

    Para dar uma pitada a mais nesta espiral neurótica, o roteiro ainda insere com habilidade citações a Franz Kafka e seu icônico O Processo, de forma a trazer ao protagonista uma tensão cada vez maior, decorrente também da incompreensão sobre o que está acontecendo. Até mesmo as baratas remetem ao autor, no caso ao seu livro mais conhecido, A Metamorfose.

    Por mais que o centro da trama seja o relacionamento do professor substituto com seus alunos, é importante reparar que o desconforto não vem apenas deles. Há na escola uma fauna de funcionários que, em menor proporção, também expressam suas bizarrices comportamentais. Neste sentido, o filme ainda entrega momentos inspirados como o coral de alunos cantando "Free Money", uma insólita música sobre dólares roubados que contradiz tudo que se espera dos ensinamentos de uma escola. Soma-se a isso uma certa contemporaneidade da narativa, ao relacioná-la com o atual estado de tensão existente (não apenas) na França, em relação a atentados terroristas.

    Bem dirigido e atuado, O Professor Substituto perde um pouco de força apenas em seu terço final, quando decide resolver a tensão tão bem construida a partir de uma sequência de ação - até bem feita, mas aquém do exibido até então. Trata-se de um filme bastante interessante pela forma como dialoga com os riscos e a paranoia existentes no mundo atual, além de ser muito bem conceitualizado, tanto em relação à narrativa quanto esteticamente. Neste sentido, vale também ressaltar o belíssimo enquadramento explorado na sequência em que o professor aguarda uma de suas alunas ir ao banheiro, com a conversa entre ambos sendo mostrada também através da imagem refletida em um espelho - o que, implicitamente, ressalta também a dualidade existente naquele momento.

    Filme visto no Festival Varilux de Cinema Francês, em junho de 2019.

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