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    Nunca Me Sonharam
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Nunca Me Sonharam

    Educação, um sonho brasileiro

    por Rodrigo Torres

    "A crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto", dizia o educador Darcy Ribeiro, nos idos de 1977, sobre um perverso plano de alienação do povo estimulado pelas classes dominantes. Há quem possa desconfiar da tese, alegar ares de teoria conspiratória. Mas, quatro décadas depois, é nítido que uma casta política não apenas negligencia esse direito constitucional, como se aproveita de seu impacto sobre a população. Por isso Nunca Me Sonharam abre com o texto do artigo 205 da Constituição Federal: é um dever do Estado prezar pelo "pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho". E em seus 80 minutos seguintes mostrará, exatamente, jovens desiludidos com seu despreparo oriundo do sucateamento da educação.

    Cacau Rhoden constrói seu documentário de maneira bem convencional. Sem mais intervenções pessoais além da abertura, o diretor se dedica à montagem para formar o seu filme e a sua mensagem, baseando-se nos relatos e opiniões de estudantes e especialistas de diversas áreas: professores, pedagogos, psicanalistas, pensadores, escritores, líderes indígenas, o ex-Ministro da Educação Renato Janine Ribeiro. Assim, Nunca Me Sonharam compõe um mosaico ao mesmo tempo vastíssimo, valioso, apaixonado, porém pouco organizado. É uma avalanche de informações variadas, igualmente poderosas, expostas sem coesão ou tempo para a melhor assimilação.

    Nesse cenário, é curioso como alguns personagens se destaquem em meio a tantas vozes. Cada intervenção do psicanalista Christian Dunker, com sua oratória excelente e amplo entendimento da psique humana, aglutina os pensamentos variados de alunos e profissionais numa só ideia mais complexa. O depoimento de André Luis Barroso, diretor de escola pública no subúrbio do Rio de Janeiro, representa uma alternativa ao desencanto que acomete também a classe docente, a única capaz de contornar a péssima infraestrutura oferecida pelo Estado e mudar os rumos de uma instituição precária — desde que com muito sacríficio e compaixão pelos educandos. E estes próprios endossam, narrando as suas vivências e angústias, a análise de cada especialista.

    Sonho é a palavra que permeia o documentário, e Cacau Rhoden é muito feliz em explorar esse aspecto na colheita dos testemunhos e na escolha do título. "Nunca me sonharam advogado, nunca me sonharam médico", diz um estudante do interior do Nordeste. A construção estranha da frase, normativamente "errada" e poeticamente soberba, denota com perfeição a autonomia intelectual da juventude, tantas vezes avaliada, julgada, tão injustamente pelo sistema. Além de preparada desde muito cedo para plenos de vida pré-determinados, e assim limitada, impedida de sonhar. Logo após vermos jovens de periferia mandarem o seu rap, Felipe Silva define a meritocracia numa metáfora: é como uma corrida até o topo de um prédio em que algumas pessoas partem do 5º andar e vão de elevador, enquanto ele, pobre, negro, vai de escada, desde o subsolo.

    Apesar de expor toda a falência do modelo escolar brasileiro, Nunca Me Sonharam tem em sua ideia propositiva e em diversos casos de sucesso em cidadezinhas do Piauí, do Ceará, uma premissa otimista. Serve também como um bom exemplo do que precisa ser feito numa democracia: um amplo debate. Diferentemente do que acontece nos países com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo, o governo de Michel Temer determina reformas de graves consequências sem estabelecer um diálogo com todas as frentes possíveis e o principal impactado: a população. Assim terá sido caso o Novo Ensino Médio seja aprovado, sem ter havido uma discussão sobre seus prós e contras.

    Nova ou velha, a educação tem como função primordial permitir que os jovens sonhem, possam, sem distinção de gênero, raça e, principalmente, classe. Como Darcy Ribeiro defendia, como Cacau Rhoden examina em seu belo documentário.

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    Comentários

    • Adailton Lessa
      Pronto. Li todos os seus argumentos. Agora pessoas como você chegaram ao poder. Espero que Deus lhe der muitos anos de vida e saúde para você aprender como seus próprios erros. Não tenho uma formula para apresentar e não sei como ajustar toda essa desordem que está em nossa educação, mas de uma coisa eu tenho certeza, com postura como a sua não vamos a lugar nenhum. Precisamos ouvir os alunos das escolas Públicas, pois a forma de se ensinar tradicionalista não é mais aceita por essa juventude. Precisamos mudar juntos, pois somos todos Brasileiros, assim eu acredito.
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