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    300 Milhas
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    300 Milhas

    A guerra no meu quintal

    por Bruno Carmelo

    Em tom confessional, o diretor Orwa al Mokdad usa a história de sua família para descrever a situação atual na Síria. Ele mora no norte, distante da sobrinha Nour, que fica no extremo sul. A batalha entre o governo e os revolucionários impede a aproximação de ambos. Décadas atrás, o percurso foi executado pelos avós do diretor, imigrantes da Palestina ou do Iraque. Descreve-se portanto uma nação fragmentada, de pessoas separadas pela guerra, distante, meio abstrata.

    Partindo desta configuração, a câmera caseira retrata aquilo que se apresenta ao redor: o cineasta conversa com líderes revolucionários e jovens contestadores dentro de suas casas e filma buracos de tiros nas paredes, enquanto a jovem Nour, do outro lado do país, pergunta ao pai o que é uma trégua, por que Bashar Al-Assad está bombardeando o próprio povo, e se não seria melhor deixar a população viva ao invés de morta. Brilhante lógica infantil, aliás. Instantes de grande impacto visual e emocional se combinam com outros absolutamente banais, como simples rostos olhando para a câmera sem nada a dizer.

    300 Milhas poderia ser descrito como “cinema de guerrilha”, aquele termo surrado e contestado por cineastas politizados como Chris Marker. De qualquer maneira, temos uma forma de filmar que se preocupa com a realidade, o registro imediato acima de tudo, deixando a preocupação estética em segundo plano. Os registros deste documentário são amadores, as imagens são tremidas, a fotografia está superexposta mesmo quando teoricamente se dispunha de controle suficiente para acertá-la, enquanto pessoas têm os rostos cortados pelo enquadramento mesmo quando estão sentadas, calmamente, esperando para dar um depoimento. O ímpeto de urgência contamina inclusive o que não é urgente.

    Talvez o maior problema do projeto se encontre na edição caótica de Mokdad. Não existe uma linha de raciocínio clara, as cenas se sucedem sem necessariamente estabelecerem uma forma de raciocínio com aquelas que a antecedem. Em outras palavras, temos um acúmulo ao invés de um desenvolvimento. Ouvimos bombas sem saber quem está atacando quem, por qual razão desta vez, e onde se encontra o conflito. Não existe um trabalho de investigação política, histórica, nem a busca por metáforas, analogias, poesia. O diretor recusa-se a ir além daquilo que se encontra em seu quintal.

    “Mas o tema é importante”, “mas é preciso levar em consideração a dificuldade de fazer um projeto neste local, com este tema”, escutou-se aqui e acolá, na saída da sala de cinema. De fato, é preciso ter ousadia não apenas para posicionar-se contra o regime de um ditador sanguinário, mas também para expor a si mesmo e à sua família, como faz o diretor. Os momentos familiares podem ser preciosos, porém falham na tentativa de articular uma reflexão sobre o país inteiro, conectando o local e o universal.

    Filme visto no 6º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2017.

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