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    O Intérprete
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    O Intérprete

    Meu irmão é filho único

    por Taiani Mendes

    Boa parte do cinema contemporâneo europeu é dedicada a revisitar a história sangrenta do passado não tão distante num esforço de alerta contra a ascensão da extrema direita ligada aos ideiais nazifascistas que tanto estrago fizeram há menos de um século. Olhando para a Segunda Guerra como a ferida aberta que ainda é, O Intérprete debruça-se sobre o encontro de duas vítimas do regime totalitário de Hitler: Ungar (Jirí Menzel), filho de judeus, e Graubner (Peter Simonischek), filho de oficial da SS.

    Tradutor (que só traduz o que quer), Ungar viaja pela primeira vez desde a morte da esposa para se vingar. Quer assassinar aquele que mandou matar seus pais, mas acaba encontrando só seu herdeiro, um professor bon vivant. Os dois falam a mesma língua e se igualam também na omissão de informações e suas reais intenções. Um movido pela culpa, outro pela compaixão, eles pegam a estrada rumo ao local que definiu suas existências ao marcar as vidas de seus pais.

    São questões densas, que o diretor Martin Sulík decide dissolver num road movie agridoce submetido ao conhecido esquema de opostos incompatíveis que expõem semelhanças e estabelecem laços ao fim de um período de convivência. Não é má ideia combinar as memórias do Holocausto com uma comédia dramática sobre a terceira idade e seus desafios, até porque a Segunda Guerra é parte da história dos octogenários de hoje. O problema é que a inserção da leveza na trama se dá de forma extremamente forçada, com música-tema subindo a cada dois minutos e tintas carregadíssimas no estabelecimento dos protagonistas como "o fanfarrão" e "o ranzinza", engessados num relacionamento previsível que apresenta mais do mesmo sobre como ser idoso.

    Nas consequências da guerra poderia estar a relevância de O Intérprete, que defende a humanidade ao, de certa maneira, equiparar o "porco antissemita" e a "besta sionista", traumatizados garotos solitários com bastante coisa em comum. O longa-metragem, no entanto, não organiza o braço investigativo da trama com tanto esmero quanto constrói o companheirismo da dupla. Enquanto Graubner, perdido, ainda busca maneiras de resolver o passado, o determinado Ungar trabalha para que o horror não volte a acontecer, mas a potência do do debate sobre como identificar e lidar com vítimas e carrascos é perdida na tradução para um gênero palatável. O gordo e o magro. O policial amigo e o durão. O capacho e o mestre. O irritante Toni Erdmann e um rabugento elfo idoso de O Senhor dos Anéis.

    Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.

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