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    Miss Bala
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Miss Bala

    A sedução do crime

    por Bruno Carmelo

    Quando a pacífica maquiadora Gloria (Gina Rodriguez) é sequestrada por gângsteres mexicanos, a vida dela se torna um calvário sem fim: nas mãos dos criminosos, é obrigada a praticar assaltos e entregar armas; nas mãos dos policiais, descobre homens igualmente corruptos e perversos; nas mãos de poderosos empresários, enfrenta o abuso sexual. Nenhum amigo ou familiar procura por ela. Nenhum policial honesto efetua investigações. Caso ela consiga sair da emboscada viva, será através de esforços próprios. Nesta fronteira entre México e Estados Unidos idealizada pela diretora Catherine Hardwicke – e pelo roteiro original, de 2011 – todos os homens são predadores asquerosos, e todas as mulheres são vítimas sensuais.

    O filme trata de coincidir milícia e sexo: o fato de deter o poder sobre o dinheiro e as drogas, neste caso, equivale a deter o poder sobre as mulheres, transformadas em mercadorias equivalentes. É curioso que a cineasta não retrate esse funcionamento de forma crítica, muito pelo contrário: os ladrões são apresentados de maneira sedutora, com a câmera deslizando lentamente por seus corpos musculosos enquanto os atores proferem os diálogos em tom sussurrante. O roteiro frequentemente nos lembra de que os chefes do tráfico, apesar de violentos, podem ser bons protetores às suas companheiras. Enquanto isso, as mulheres começam e terminam a história em vestidos curtos, dentro de festas, onde tanto Gloria quanto a melhor amiga se oferecem a homens poderosos em busca de proteção e/ou vantagens financeiras.

    É evidente que Miss Bala pretende se passar por uma trajetória de empoderamento feminino. Depois de sofrer nas mãos de todos os homens da história, Gloria terminará sua aventura, como sugere o cartaz, com uma arma na mão. “I call the shots now”, canta uma música pop, ou seja, “Sou eu quem dá as cartas agora”. A afirmação soa generosa, afinal, Gloria apenas se emancipa quando os homens, de uma forma ou outra, permitem que ela o faça. A vida da maquiadora é condicionada à presença, ou ausência, dos homens, pois ela não se mostra capaz de assumir a liderança dentro da sociedade em que os personagens masculinos existam. Apenas quando os adversários saem do caminho, Gloria se torna uma figura supostamente poderosa. Deste modo, a sugestão de empoderamento se enfraquece.

    Os conflitos sobre a representação de gêneros são acentuados pelas escolhas de direção. Hardwicke aposta em recursos televisivos um tanto banais: cada transição de cena é marcada por um plano aéreo impessoal e acelerado (em estilo C.S.I.), os tiros atingem corpos em câmera lenta, a câmera surpreendentemente adota o ponto de vista da bala durante um disparo. A cineasta usa e abusa das câmeras tremidas na mão, mesmo quando a personagem está calmamente sentada numa lanchonete – o que extrapola o típico uso deste recurso para imprimir ritmo e urgência. Hardwicke, conhecida pelas produções cruas e urbanas (Os Reis de Dogtown, Aos Treze), não resiste à tentação de transformar sua narrativa num veículo para os clichês do latin lover, da “mulher de malandro”, do mundo em que todos são igualmente corruptos e não há qualquer saída. Por trás da aparência de suspense policial, se esconde o conformismo da tragédia: a única maneira para Gloria sobreviver nesta terra de ninguém é matar todos ao seu redor.

    Como os gestos e imagens são ajustados ao imaginário popular do banditismo, os atores ganham pouca oportunidade de expressar nuances. Gina Rodriguez transmite variação emocional limitada ao longo da trama, Ismael Cruz Córdova aposta na performance à la clipe de hip hop, e Matt Lauria reproduz a figura do cafajeste sedutor. Este mundo fabular é povoado pelas figuras maniqueístas e antagônicas de agressores e vítimas, abusadores e abusados. A única reação possível consiste em reproduzir o comportamento agressivo: Gloria aprende a atirar, algo que será útil mais tarde na trama, quando se vê com uma metralhadora nas mãos. Por trás de seu final feliz, a produção ostenta o gosto amargo de não enxergar qualquer saída para a gestão do caos a não ser participar dele, e qualquer alternativa à batalha dos sexos para além da eliminação de um dos lados da partida.

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