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    Tudo É Irrelevante, Hélio Jaguaribe
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Tudo É Irrelevante, Hélio Jaguaribe

    O debate por baixo dos filtros

    por Bruno Carmelo

    Os primeiros minutos deste documentário parecem anunciar o pior: uma narração explica quem é Hélio Jaguaribe, em que data e cidade nasceu, seus principais trabalhos etc., num didatismo banal. Felizmente, passadas as apresentações escolares, o filme diz a que vem, e começa a enunciar um verdadeiro debate filosófico e político sobre os rumos do Brasil desde a ditadura militar. A trajetória do cientista político serve como pano de fundo para um retrato amplo, de ambições surpreendentes.

    Em tela, uma dezena de intelectuais discorre sobre a natureza humana e sua relação com a transcendência, partindo dos conceitos céticos de Jaguaribe, segundo o qual não existiria propósito à vida humana, nem uma superioridade da nossa raça em relação aos outros animais. Em seguida, o projeto mergulha no complexo pensamento político de Jaguaribe, que se alimentou de ideias progressistas para manter uma relação ambígua com o governo Vargas e depois apoiar fervorosamente o desenvolvimentismo de Kubitschek, vindo a se tornar empresário durante o crescimento dos anos 1950.

    As discussões possuem grande interesse, tendo o mérito do despojamento da linguagem oral. O problema é conseguir refletir diante do verdadeiro caos que constituem as imagens de Tudo é Irrelevante. Os diretores Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan evitam o formato acadêmico de entrevistas seguidas de material de arquivo, o que é bastante louvável, mas optam por um intervencionismo barroco e saturado. Cada entrevista é marcada por uma sobreposição de filtros digitais, em cores que vão do preto e branco ao sépia e graduações entre ambos, com frases de Jaguaribe estampadas ao fundo. Alguns filtros são translúcidos, de modo que uma mesma imagem apresenta riscos simulando a película danificada sobre o rosto do entrevistado, emoldurado por frases em cima e dos lados, diante de palavras desfilando no cenário.

    Consequentemente, é difícil manter a concentração no discurso. O olhar do espectador é solicitado por uma série de estímulos simultâneos que, ao invés de se completarem, competem uns com os outros. Não existe qualquer forma de coesão estética, a não ser que se considere a bagunça ininterrupta como uma coesão em si: temos o digital simulando ser película, a palavra escrita brigando com a palavra sonora, a cor disputando espaço com o preto e branco, as animações e desenhos atrapalhando as captações realistas e o material de arquivo.

    Talvez a intenção fosse ressaltar o caráter multifacetado de Jaguaribe. No entanto, acúmulo é diferente de complexidade, e o todo não é igual à soma (ou sobreposição, no caso) de suas partes. O documentário transmite a impressão de ser sóbrio e elegante no plano discursivo, porém extravagante e disperso nas escolhas imagéticas. Quem estiver disposto a ultrapassar tantas animações, figuras de deuses gregos, trilha sonora intermitente e colorações múltiplas vai encontrar ao fundo um material rico para reflexão.

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