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    Amok
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Amok

    Espiral de violência

    por Bruno Carmelo

    Este raro filme da Macedônia nos cinemas brasileiros se dedica a uma tese complexa: ele pretende mostrar que a delinquência juvenil é provocada menos pela falta de caráter individual do que pela falha do Estado em cuidar de jovens desfavorecidos. Em outras palavras: as crianças nascem boas, mas a sociedade as corrompe. Para isso, toma o ponto de partida de um centro de detenção para adolescentes órfãos, todos com múltiplas passagens pela polícia por roubo, furto, agressão e crimes semelhantes. A cada vez que encontram as autoridades, ouvem o mesmo discurso: “Mas por que você fez isso de novo? Por que não para”?

    A resposta a esta pergunta está dividida em três partes. Primeiro, o diretor Vardan Tozija observa os fatos, depois os interpreta, e por fim chega a uma conclusão. O terço inicial, de descrição realista dos personagens, é o mais interessante de Amok. Os enquadramentos elegantes, dignos das grande produção do circuito de festivais, acompanham os delitos dos amigos Filip (Martin Gjorgoski) e Petar (Deniz Abdula). Eles cometem crimes sem real motivação, por tédio, para se sentirem importantes e ativos num meio que os despreza. A solidão dos jovens e o descaso do Estado com as suas situações são muito bem demonstrados pelas atuações e pelo aspecto cinzento da fotografia. O enfrentamento das regras serve para os garotos buscarem autonomia contra aqueles que os detêm nesta mistura de orfanato e prisão.

    A segunda parte, no entanto, quase põe o filme a perder. Passada a compreensão da estrutura social, Tozija começa a apelar para maniqueísmos e soluções melodramáticas. Temendo que sua exposição não tenha sido clara o suficiente, ele começa a abusar da trilha sonora tristonha e das árias religiosas acompanhando os jovens pecadores, enquanto as metáforas se tornam cada vez mais óbvias: após levar uma surra, Filip encontra um cachorro de rua morto, analogia de sua própria condição. A comparação dos personagens com “ratos”, como uma infestação contagiosa desprovida de humanidade e indesejada por todos, é repetida cinco ou seis vezes, enquanto as demonstrações de violência tornam-se mais explícitas. A cada nova agressão, Gjorgoski passa a atuar de maneira mais animalesca, contorcendo o pescoço mecanicamente, como se estivesse possuído por alguma força do mal.

    Felizmente, o terço final recupera parte da sutileza, ou pelo menos da ambiguidade necessária à tese sociológica. Quando os “ratos” se organizam e se revoltam contra o sistema, o filme se divide entre aplaudir a possibilidade de insurgência e tolerar a violência decorrente da mesma. Seria a barbárie necessária? É indispensável a declaração de guerra? O roteiro consegue fornecer uma resposta ambígua e politicamente complexa a essas questões. A conclusão não declara vitória a nenhum dos dois lados, mas promete novos enfrentamentos. De qualquer modo, Amok cria uma fábula sangrenta sobre o despertar dos jovens contra o sistema. Anuncia tempos sombrios de uma justiça extraída a fórceps, com muito sangue nas mãos.

    Filme visto no IV Festival Internacional Lume de Cinema, em março de 2017.

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