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    A Virgem de Agosto
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    A Virgem de Agosto

    Tristezas e alegrias paradoxais e inseparáveis

    por Laysa Zanetti

    A Virgem de Agosto é um filme sobre a busca da felicidade. Por mais clichê ou convencional que isso possa parecer, o drama do diretor espanhol Jonás Trueba está longe de qualquer proposição tradicionalista. O sentimento de solidão e de inconformismo da protagonista Eva (a ótima Itsaso Arana) é retratado na contemplação, na ideia de uma pessoa que sente ao mesmo tempo atração e repulsa pela própria cidade, pelo lugar em que nasceu e do qual jamais saiu. É uma jornada ao mesmo tempo triste, poética e filosófica, que se ampara em debates melancólicos sobre expectativas, limitações e desconfortos.

    A ideia de Eva, na primeira quinzena calorenta do agosto madrilenho, é a de se tornar uma turista em sua própria cidade. Ela toma a decisão de fazer uma espécie de retiro espiritual, sendo o contraponto justamente o fato de ela fazer isso dentro do lugar que mais conhece. Mas trata-se de uma pessoa que está livre de qualquer plano e qualquer amarra, deixando-se conduzir pelas ocasiões — o que significa reencontros inesperados com velhos amigos, com pessoas de quem ela longamente se afastou, e novas amizades formadas nos lugares mais improváveis e randômicos. Tudo isso ajuda a formar sobre ela uma nova perspectiva, e é neste ritmo que o filme vai mergulhando em sua investigação. 

    A partir disso, passamos a acompanhar Eva em suas jornadas diárias, com cada dia especificado através de cartelas, que nos conduzem do início ao fim da trama. Este recurso, ainda que um facilitador da narrativa, ajuda a contar a história e a mostrar o quanto a protagonista está ao mesmo tempo descobrindo mais sobre si mesma e ficando mais certa de não ter necessariamente um encaixe em qualquer lugar que seja. Ela ouve mais do que fala, pede desculpas mais do que concede desculpas, mas também invariavelmente se esforça mais do que deveria. Em certos momentos, é possível ver todo o seu esforço sendo em vão, mas ela não está necessariamente interessada em recompensas. Ela está em busca de uma identidade, ainda que a resposta seja a inexistência de uma única identidade.

    Reflexões sobre este tipo de tema tão introspectivo, a bem verdade, obviamente não são objetos estranhos para o cinema, mas o que A Virgem de Agosto propõe vai além do óbvio, pois está amparado em diálogos potentes e composições visuais que ajudam a contar a história, seja nas cores, no uso dos pontos turísticos de Madrid ou na forma como a câmera é estratégica em utilizar os cenários e as locações; ora Trueba opta por destacar os espaços vazios durante os momentos de solidão de Eva, ora o melhor a fazer é dar espaço para a multidão quando ela está em coletivo. Sem dizer, ele está deixando claro o quanto ela se sente sufocada e quando a solidão é o seu maior conforto. 

    É neste espaço, ao retratar esta mulher com profunda honestidade, que o aspecto contemplativo da trama transcende de melancólico para exultante, e descobrimos que estamos diante de uma narrativa extremamente verdadeira e sensível de momentos reais e banais. É através da captura da rotina de uma forma tão poética e mágica que A Virgem de Agosto se transforma em uma poderosa jornada de autodescoberta, aceitação e amor próprio, servindo exatamente à autorreflexão que é um dos grandes objetos de estudo da sétima arte. A paz é a sua maior conquista, é o que torna Eva — que não por acaso tem este nome tão bíblico — enfim uma pessoa completa. E que ótimo que possa ser assim.

    Filme visto no 21º Festival do Rio, em dezembro de 2019.

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