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    Os Incontestáveis
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Os Incontestáveis

    Road movie capixaba

    por João Vítor Figueira

    Cercado por vizinhos mais famosos, o estado do Espírito Santo é uma unidade federativa brasileira que por vezes acaba menos lembrada na vida pública nacional. Os Incontestáveis, longa-metragem de estreia de Alexandre Serafini, leva o cinema capixaba — usualmente restrito ao foro dos festivais — para o circuito nacional de salas. No longa-metragem, o estado, um dos menores do país em extensão territorial, é uma espécie de microcosmo do Brasil. O folclore, a religiosidade adaptada à nossa realidade, os desequilíbrios sociais, o terceiro-mundismo e malandragens estão em pauta. O roteiro assinado por Serafini e pelo escritor e dramaturgo Saulo Ribeiro aponta para caminhos interessantes neste road movie, mas o potencial da obra é enfraquecido pela dificuldade da narrativa de encaixar as peças do quebra-cabeça.

    Na trama, Belmont, o Bel (Fabio Mozine), é o ácido e desbocado dono de uma oficina que está obcecado em comprar o Ford Maverick de 1977 que foi de seu pai, Elói. À bordo de um Opala modelo 73, ele cai na estrada na companhia de seu irmão mais novo, Maurício, o Mau (Will Just). Juntos, os dois entram e saem de território capixaba, passam por Minas Gerais e vislumbram a fronteira com a Bahia. Como mísseis teleguiados, os protagonistas começam o filme pulando de situação em situação em busca do MacGuffin de quatro rodas, mas o roteiro nunca dispõe tempo suficiente para explorar a personalidade dos irmãos de forma mais profunda, pincelar detalhes de suas vidas antes do início da jornada, explicar melhor a mágoa com o pai ou a fixação pelo Maverick.

    Embora haja alguns problemas na forma como a história é narrada, os diálogos construídos de forma inteligente. As falas estão em sintonia com as despretensiosas conversas tarantinescas e muitas das situações engendradas por Serafini e Ribeiro estão lá para servir como comentário social. O descanso de um mecânico por motivos religiosos trata da expansão evangélica no interior. O desabafo de uma cafetina trans (Doca, vivida por Markus Konká) que deseja deixar uma cidade pequena para Vitória, diz algo sobre a crise econômica que abate o país. Uma piada pejorativa sobre o Espírito Santo aborda a monocultura do eucalipto. A postura jocosa de um prefeito denuncia a corrupção em pequena escala.

    Por um lado, há insights interessantes. Por outro, o roteiro também é limitado na hora de complexificar suas personagens femininas, que nesta história não passam de objetos, não sujeitos. Quando a personagem da atriz Kelly Crifer aparece pedindo carona, sua função no filme, segundos depois é a de transar com Mau. Pouco depois, descobrimos que todas as personagens femininas do filme são prostitutas cujo fim é servir aos desejos dos homens.

    A insistente trilha sonora rock ‘n’ roll e os sucessivos takes do Opala pelas estradas prejudicam a fluidez do filme. Até o terceiro ato de Os Incontestáveis, sempre que a história avança há uma sensação de déjà vu. O fato dos atores que vivem protagonistas não terem as artes dramáticas como principal atividade profissional não chega a depor contra a obra — Mozine, é baixista da banda de hardcore Mukeka di Rato e Will Just é guitarrista do grupo de rock psicodélico Muddy Brothers. Os intérpretes dos irmãos tem boa química na tela, especialmente por serem figuras cuja oposição cresce ao longo do filme. Entretanto, a falta de uma densidade cênica faz com que mesmo boas linhas de roteiro soem “escritas demais” em alguns momentos. Por isso há um contraste tão grande quando atores veteranos do naipe de Tonico Pereira, que vive o vilão Lobo, construído como comentários sobre coronelismo nos rincões do país, e o Velho, interpretado por Fernando Teixeira.

    Ao se encaminhar para o desfecho, Os Incontestáveis dá uma guinada rumo a uma ruptura narrativa. O diretor resgata a obscura história de uma revolta camponesa real que ocorreu na década de 1950 em um pequeno distrito capixaba perto das fronteiras mineiras e baianas para apontar na direção de um realismo fantástico com ares de western. A virada é arriscada, até mesmo corajosa. Saímos do lugar de conforto, mas é uma pena que alguns detalhes não tenham sido melhores calibrados até o espectador chegar ao final.

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