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    78/52
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    78/52

    Cinefilia aplicada

    por Bruno Carmelo

    O mundo acadêmico está acostumado às análises de tema bastante circunscritos: no caso do cinema, é comum se deparar com teses dedicadas a um único filme, uma única cena, às vezes uma única imagem – o olho cortado de Um Cão Andaluz que o diga. No próprio cinema, entretanto, é raro encontrar um filme dedicado a uma única cena de outro filme. Mas este é o caso de 78/52, documentário que busca destrinchar a famosa cena do banheiro de Psicose (1960), de Alfred Hitchcock.

    O diretor Alexandre O. Philippe, um pesquisador de cultura pop, convidou dezenas de figuras influentes do cinema para comentarem a cena em suas especialidades: montadores comentam as particularidades da montagem, diretores de fotografia falam sobre luz e enquadramentos, historiadores inserem a cena num contexto histórico preciso etc. A análise parte de uma abordagem sociológica ampla (os movimentos de liberação ou conservadorismo dos anos 1960) à linguagem cinematográfica, e por fim aos detalhes: o efeito translúcido da cortina do banheiro, a busca pelo som perfeito do esfaqueamento, a escolha da cor branca para os azulejos.

    Para a abordagem considerada obsessiva de Alfred Hitchcock, o cineasta oferece uma investigação igualmente obsessiva. 78/52 (referência ao número de planos e tomadas da cena) poderia se tornar enfadonho ou repetitivo, mas se desenvolve com fluidez através da montagem frenética que engancha temas, cenas e materiais de arquivo sem tempo para respirações. Enquanto isso, a trilha sonora evoca os temas sonoros de Psicose e a fotografia em preto e branco remete ao clássico. Temos um filme sobre outro filme, uma estética sobre outra estética, numa metalinguagem vertiginosa. Mesmo a refilmagem de Gus Van Sant, de 1998, é analisada pelo documentário.

    Tamanha dedicação à cena do banheiro gera um efeito ao mesmo tempo didático e emotivo: embora a cinefilia seja associada à paixão pelo cinema (algo emocional, portanto), Philippe pretende unir o afeto à razão ao buscar fatos, materiais de arquivo e elementos concretos que permitam dissecar cientificamente seu objeto de estudo. Em tempos de documentários imediatistas, mais preocupados com a importância do tema ou a amplitude da abordagem, a lupa cuidadosa deste projeto soa como um respiro, uma prova de que o cinema pode ser debatido durante horas – e mesmo assim, uma única cena ainda estará longe de ser esgotada.

    Felizmente para o espectador, as dezenas de entrevistas com Guillermo Del Toro, Peter Bogdanovich, Karyn Kusama e outros não se limitam ao elogio do gênio: elas tentam compreender o que faria de Hitchcock um cineasta tão inovador. É nesse momento que a reflexão se torna ainda mais interessante, quando a paixão questiona o motivo de sua própria existência. O que faz do gênio um gênio? Através da cena do banheiro, dezenas de personalidades da indústria promovem um debate ontológico sobre Hitchcock, a autoria e a percepção de qualidade no cinema.

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