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    A Pé Ele Não Vai Longe
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    A Pé Ele Não Vai Longe

    Cinema de reconforto

    por Bruno Carmelo

    John Callahan (Joaquin Phoenix) enfrentou o alcoolismo durante muitos anos. Devido à embriaguez constante, pega o carro ao lado de um amigo igualmente bêbado. Eles batem o veículo, John perde o movimento das pernas. A válvula de escapa após o trauma se encontra no desenho de quadrinhos irônicos, brincando com o racismo, a sexualidade e a própria deficiência. O homem perdido na vida torna-se um ídolo para algumas pessoas, e um desenhista desrespeitoso para outros – pelo menos, ele é visto, ganha voz, encontra um rumo.

    Don’t Worry, He Won’t Get Far on Foot (algo como “Não se preocupe, ele não vai longe a pé”, extraído de um dos quadrinhos do personagem) jamais esconde a sua pendente de filme com “lições de vida” a oferecer. Gus Van Sant sempre adorou os discursos inspiradores de seus protagonistas às plateias, e inclui mais um nesta trama. Talvez a narrativa inteira seja pautada por discursos públicos ou privados. Quando John não está discursando num teatro, ele está contando a sua história num grupo de ajuda, ou escutando valiosas mensagens do amigo e terapeuta Donnie (Jonah Hill). A narrativa é movida por pessoas dizendo umas as outras como agir, como superar a dor.

    A montagem efetua um recurso interessante ao embaralhar as cartas. A cronologia é fragmentada: vemos o personagem numa cadeira de rodas, depois voltamos ao acidente, em seguida descobrimos a sua vida comum com a paralisia, então retornamos ao primeiro encontro no grupo de ajuda após o acidente. As peças se montam de maneira livre, sem letreiros ou outros recursos do tipo. Ao quebrar a linearidade, a comédia também dilui o efeito de causa e consequência tão pesado em histórias de tragédia. Fica mais difícil dizer “isso aconteceu porque John agiu desta maneira”, ou “nada teria acontecido se John não tivesse tomado outra atitude”. Os personagens são muito mais do que os seus atos no momento específico do acidente.

    O tom predominante é o do feel good movie – ou seja, apesar das cenas tristes esperadas pela paralisia, ou pelas cenas divertidas da superação, o espectador jamais será realmente provocado ou perturbado. Os quadrinhos hilários de Callahan, utilizados na passagem entre as cenas, ajudam a quebrar qualquer incômodo, e as atuações minimizam o peso do trauma. Joaquin Phoenix, ator bastante versátil, se sai muitíssimo bem como homem paralisado, mas ainda irresponsável e brincalhão, enquanto Jonah Hill revela mais uma vertente inesperada com sua composição original de um líder espiritual gay, ora bastante autoritário, ora muito permissivo. As talentosas Rooney Mara e Carrie Brownstein, infelizmente, são desperdiçadas pelo roteiro.

    Gus Van Sant termina o filme de modo despretensioso. Alguns críticos ficaram espantados ao ver um resultado tão inconsequente do diretor que já fez Gerry e Elefante. Entretanto, eles se esquecem de tantos outros projetos menos profundos nos quais o cineasta vem trabalhando, incluindo Inquietos e Encontrando Forrester. Don’t Worry, He Won’t Get Far on Foot está mais próximo destes dois últimos. É gentil, deve despertar sorrisos na maioria dos espectadores, mas dificilmente será lembrado muito tempo após a sessão – especialmente em meio a títulos tão radicais quanto os selecionados no festival de Berlim.

    Filme visto no 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2018.

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