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    Professor Marston e as Mulheres-Maravilhas
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Professor Marston e as Mulheres-Maravilhas

    Desconstruindo fetiches

    por Bruno Carmelo

    A chegada deste filme aos cinemas em 2017 poderia ser interpretada de duas maneiras bem diferentes. A primeira delas seria como oportunismo comercial: por este ponto de vista, o projeto seria uma tentativa de explorar a personagem que estrelou dos dois maiores sucessos de bilheteria do ano. A segunda leitura, mais interessante, diz respeito à tentativa de enxergar a heroína por um lado oposto daquele apresentado nas superproduções de ação. O filme retira a Mulher-Maravilha do universo pop, ágil, espetacular, onde os mortos não sangram e os adultos não fazem sexo. Professor Marston e as Mulheres-Maravilhas oferece, em troca, sexo, sangue e psicologia adulta.

    O interessante roteiro acompanha duas tramas em paralelo: enquanto o professor Marston depõe a uma comissão de moral e bons costumes sobre o suposto erotismo, perversão e tortura que oferece às crianças nos gibis, descobrimos sua história anterior à criação da personagem. A temporalidade é marcada por “antes e depois” da heroína, na qual a invenção da Mulher-Maravilha, em si, interessa pouco. O que motiva a diretora Angela Robinson neste filme é encontrar paralelos reais à personagem dos quadrinhos, comprovando que o empoderamento sugerido nas histórias só foi possível graças a mulheres pioneiras na realidade.

    No início, os três protagonistas poderiam parecer estereótipos: Luke Evans é visto como homem sedutor com uma bela esposa e aluna destina a se tornar amante, Rebecca Hall é a esposa controladora e histérica, em oposição à ingenuidade angelical de Bella Heathcote. Aos poucos, a trama desconstrói estas impressões: o professor Marston não é um conquistador barato, e as duas mulheres com quem se envolve manifestam desejo sexual mais forte uma pela outra do que pelo homem; a esposa libertária e determinada se revela a mais conservadora quanto confrontada à homofobia; a jovem indefesa passa a confrontar vizinhos e adota sua independência quando necessário.

    A constante quebra de expectativas se torna o ponto mais interessante do filme. A Mulher-Maravilha dos quadrinhos é cercada de fetiches - a amazona sexy, de espartilho colado, superpoderes, laço mágico, bracelete que rebate balas - porém o roteiro traz cada um destes elementos para a realidade. A corda se torna o acessório de um jogo sexual, e também o instrumento necessário para prender um homem doente à maca no hospital, a roupa justa parte de um jogo fornecido pela própria mulher, e retirado quando ela decide. Se o olhar à super-heroína foi ditado pelas regras da libido masculina, desta vez a equipe formada por diretora, roteirista e produtoras mulheres decide se apropriar dos símbolos para o prazer feminino.

    Diante de tantas qualidades de representação, é uma pena que Robinson não demonstre maior desenvoltura na direção. Robinson repete à exaustão a cartilha do plano e contraplano, com a câmera sempre na altura dos rostos. A primeira e importante cena de sexo a três é particularmente mal filmada e editada, recorrendo aos clichês da câmera lenta e trilha sonora óbvia - “Feeling good” de Nina Simone, é claro. A música irrompe de maneira tradicional ao fim de cada cena dramática, o que confere uma aparência engessada e pudica a um filme que, ironicamente, aborda a questão da ousadia. No entanto, Robinson acerta ao valorizar as trocas de olhar: o trio está constantemente admirando uns aos outros em silêncio, com amor, paixão, ódio ou tristeza, e os close-ups conseguem captar esta dinâmica.

    Os três atores estão muito bons, com destaque para a excelente Rebecca Hall, numa personagem complexa e volúvel, porém perfeitamente coerente. Acima de tudo, Professor Marston e as Mulheres-Maravilhas é um projeto que visa levar ao público médio e familiar uma trama progressista sobre poliamor, homossexualidade e liberdade sexual. Se fosse mais ousado na representação do erotismo, talvez perdesse a conexão com este público amplo que também pretende atingir. O filme defende uma vertente do feminismo contemporâneo que, ao invés de criticar os chicotes e roupas justas como objetificação da mulher, permite a elas serem o que quiserem, usando a roupa que bem desejarem sem serem julgadas moralmente por isso. As mulheres deveriam ter a escolha de se situar na posição que lhes conviesse, seja ela de dominação, submissão, agressão ou passividade.

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