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    São Jorge
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    São Jorge

    Círculo da precariedade

    por Bruno Carmelo

    Jorge (Nuno Lopes) é um homem de corpo ameaçador e voz frágil. A estrutura musculosa serviu para a carreira de boxeador e lutador, mas a voz é calada pela situação em que se encontra: sem trabalho, sem dinheiro, tendo que cuidar do filho pequeno após o divórcio com a mãe brasileira, Susana (Mariana Nunes). Por isso, quando ouve as broncas do pai idoso e dos antigos chefes, ele baixa a cabeça e não responde. As perspectivas não são das melhores: a mídia faz alarde sobre a recessão, as empresas e fábricas demitem funcionários diariamente.

    São Jorge oferece um olhar alarmante sobre a posição econômica de Portugal dentro da União Europeia. O cineasta Marco Martins decide voltar a sua câmera para as consequências sociais da crise: o aumento de pessoas endividadas, da ilegalidade, da violência, da informalidade das relações, das moradias precárias etc. A direção acompanha, sem condescendência, a caminhada frustrada do protagonista por becos, cortiços e vielas escuras em busca de oportunidades para sustentar o filho e convencer a ex-esposa a retomar o relacionamento.

    Para o retrato de tamanha brutalidade, o drama faz escolhas estéticas igualmente agressivas. A câmera na mão acompanha Jorge o tempo inteiro, muitas vezes de costas, fechando o enquadramento em sua nuca conforme o homem se desloca pela cidade. A fotografia é exageradamente contrastada e saturada, mergulhando os personagens no escuro, com eventuais recortes da luz amarelada dos postes nas ruas. A profundidade de campo é reduzida, para aumentar a sensação de angústia e falta de perspectivas. O teor é cru e físico, privilegiando as manifestações externas dos sentimentos à psicologia dos personagens.

    O resultado é um estilo coeso, embora excessivo. Compreende-se que as ruas mais pobres sejam escuras e abandonadas, mas mesmo a casa do protagonista é totalmente mergulhada na escuridão, os galpões são mal iluminados e as cenas diurnas são cobertas de um aspecto cinzento. A preferência por fechar o enquadramento nos rostos ressalta o ótimo trabalho de composição de Nuno Lopes e Mariana Nunes, mas perde a importância do espaço na solidão de ambos. Uma reviravolta importante, rumo ao final, também é registrada com uma violência chocante.

    Mesmo assim, o humanismo e teor político da obra ficam patentes, com direito a interações verossímeis entre os pais separados e o filho pequeno. São nas conversas truncadas que Jorge mantém com o garoto (sobre o boxe, sobre as frutas brasileiras, sobre o imaginário da fuga para outro país) que se percebe de modo mais belo a desolação de cada um destes personagens. O drama inteiro se assemelha a um combate de boxe, uma briga diária pela sobrevivência em meio adverso. O diretor mantém um olhar pessimista quanto à economia e à política, mas ainda acredita na possibilidade de união entre indivíduos marginalizados.

    Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2016.

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