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    Café
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Café

    Destinos trágicos

    por Bruno Carmelo

    Por que tantas pessoas bebem café no mundo inteiro? Talvez você nunca feito esta pergunta, mas o drama dirigido por Cristiano Bortone traz uma série de reflexões sobre o amargor da bebida, seu caráter azedo, a pureza da plantação, o esforço dos agricultores ou ainda sobre a origem divina e a depredação da natureza pelos homens. Mesmo assim, a bebida não constitui uma personagem em si, apenas um elemento central para conectar quatro histórias trágicas passadas na Bélgica, Itália e na China, atravessando diferentes gerações e culturas.

    Apoiando-se no melodrama, o filme constrói um início realista para cada personagem, definido por um problema essencial – a necessidade de dinheiro, uma doença, a pressão no trabalho, a dificuldade de criar um bebê – e esperando que todos estes conflitos se choquem rumo à conclusão trágica. As narrativas entrecortadas têm em comum a sucessão de reviravoltas de cunho emocional, vindas do mundo externo: Renzo (Dario Aita) é demitido do emprego apesar de ser um excelente funcionário, Ren Fei (Lu Fangsheng) é chantageado pelo pai e sogro, Vincent (Arne De Tremerie) é pressionado para dar melhor condição de vida ao filho recém-nascido, apesar das dificuldades financeiras. Todos os segmentos denunciam a ganância e o individualismo.

    Apesar do singelo olhar humanitário, Café se mostra menos progressista do que imagina. A defesa do retorno aos valores tradicionais, com a proximidade da natureza e a sustentação da família patriarcal beira outro tipo de conservadorismo – vide o discurso contrário ao aborto –, enquanto as quatro histórias deixam as mulheres em segundo plano, sendo apenas namoradas, esposas e mães dos protagonistas. É louvável que o núcleo de origem árabe não seja associado à criminalidade, e que o capitalismo voraz dos asiáticos seja atenuado conforme a trama se desenvolve. No entanto, os homens permanecem associados à esfera pública, enquanto as mulheres são relegadas ao espaço privado.

    A construção estética também chama atenção devido às escolhas curiosas do diretor de fotografia Vladan Radovic. O bósnio privilegia os momentos de contraluz e os tons leitosos, de modo a mergulhar a maioria dos personagens na escuridão. Paralelamente, a câmera treme nervosamente, efetuando algumas correções bruscas de enquadramento, um tanto atípicas em produções de grande porte. Com suas imagens azuladas e de baixa nitidez, Café adquire uma aparência única e pessoal, semelhante a algum filtro fotográfico, embora o seu efeito na trama seja questionável: nas cenas com Hamed (Hichem Yacoubi) dentro da loja, ou A Fang (Tan Zhuo) em seu ateliê, não seria mais proveitoso ver os objetos e cenários que os cercam, ao invés de um grande espaço escurecido?

    O resultado deve agradar sobretudo os espectadores interessados em noções grandiosas de destino, honra, compaixão. Para quem associa drama a doenças terminais mantidas em segredo, golpes cruéis do destino e redenção de homens malvados, o trabalho de Bortone oferece material farto, através de uma galeria diversificada de personagens que se cruzam em cenas necessárias e bem ritmadas. Talvez a crítica social seja um tanto simplória, mas o filme prefere dialogar com as emoções ao invés da razão.

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