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    Weirdos
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Weirdos

    Jornadas de autodescoberta

    por Bruno Carmelo

    Enquanto a maioria dos blockbusters norte-americanos continua destacando histórias de heróis ou pessoas comuns vivendo trajetórias excepcionais, Weirdos se alia a outra vertente, típica no cinema independente: a homenagem às vidas banais, aos tipos excluídos pelo sistema. Adotando a estrutura do road movie, o filme canadense acompanha a jornada de dois adolescentes em fuga de sua pequena cidade. No caminho, fazem descobertas sobre si próprios e unem-se a outras pessoas igualmente abandonadas pela sociedade.

    O diretor Bruce McDonald carrega o projeto com ornamentos destinados a suavizar as cenas pesadas e agravar momentos leves, gerando uma sensação de linearidade e voluntária monotonia. Esta é a lógica do “quirky”, do “weird”, da inadequação – algo transformado em qualidade pela narrativa e pelos próprios personagens. A fotografia em preto e branco combina com as roupas exageradamente estampadas de Kit (Dylan Authors), à camiseta com a estampa “Nobody” de Alice (Julia Sarah Stone), à música indie folk que toma a cena cada vez que alguém pega a estrada. Para completar a estranheza agridoce, surge um Andy Warhol invisível para conversar com Kit. Ele diz ser o “animal espiritual” do garoto.

    Os toques de estranhamento são tão marcantes que ameaçam se tornar o tema do filme. A um passo do realismo fantástico, McDonald não hesita a brincar entre o real e a ilusão, a seriedade e a leveza. Ora Kit não acredita no Warhol invisível, ora compra a ideia do personagem sem reservas; às vezes ele parece estar descobrindo sua sexualidade, às vezes impõe seus desejos com segurança. O encontro com outro garoto é ao mesmo tempo banal e marcante em sua vida, e cada conversa com a namorada Alice adquire o caráter de diálogo trivial e de lição de vida. Mesmo a fuga parece motivada por algo simultaneamente simples e complexo demais. Por trás de tamanha despretensão, parece haver algo muito sério ocorrendo aos personagens o tempo inteiro.

    A oscilação de tons se estende às atuações. Enquanto Dylan Authors compõe um jovem reservado até demais, sua mãe Laura (Molly Parker) é o cúmulo do histrionismo, uma Norma Desmond pós-moderna, agitando os braços e revirando os olhos a cada frase. O pai Dave (Allan Hawco) começa como um tipo liberal, até revelar o seu lado mais conservador, enquanto a avó efetua o caminho inverso. São tantas alternâncias que a única atriz realmente coesa ao longo da trajetória é a excelente Julia Sarah Stone. Graças ao talento da atriz, Alice se torna a personagem mais complexa da trama: ela não sofre mudanças bruscas de personalidade, como os demais personagens, e sim apresenta uma gama de sentimentos e traços de personalidade simultâneos. O trabalho de diálogos de Julia Sarah Stone é formidável, imprimindo a cada frase um desconforto subjacente e perene.

    Rumo à conclusão, o imperativo do final feliz força uma comunhão tão terna quanto artificial entre os personagens, dançando juntos com a presença do falso Andy Warhol. Trata-se de um momento belamente fotografado – a direção de fotografia, aliás, é competente e refinada – mas que força o otimismo em conflitos ainda não resolvidos. Enquanto os personagens se divertem, dançam ou trocam de cadeira, é Alice quem permanece no mesmo local, observando os demais, os “weirdos”, os estranhos ao seu redor. Talvez ela também seja uma pessoa bizarra – todos somos, sugere o filme – mas é a única a guardar um mistério, a não sofrer uma grande revelação ou transformação na trama. Ela constitui os olhos, e o ponto forte, deste projeto ostensivamente indie.

    Filme selecionado no 67º Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2017.

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