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    Jesús
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Jesús

    O prazer da delinquência

    por Bruno Carmelo

    Desde a cena inicial, a câmera do diretor Fernando Guzzoni está colada nos rostos dos personagens, acompanhando a dinâmica dos adolescentes. Descobrimos uma série de garotos apresentando suas coreografias de K-pop, dentre os quais Jesús (Nicolás Durán), captado com atenção, mas sem real protagonismo em relação aos demais. Esse é um fator essencial para um filme destinado a comprovar o peso do alter ego de grupo nas ações dos indivíduos.

    O roteiro não demonstra qualquer motivo aparente para estar seguindo este jovem ao invés dos outros. Jesús leva uma vida silenciosa, banal, alternando momentos de dança com noites de bebedeira e sexo. Ele é todo exterioridade, ação, mas jamais acessamos sua psicologia: o que quer realmente? De que maneira a perda da mãe e a relação distante com o pai afetam sua autoestima? Por que se cala diante de pessoas que não o intimidam? O rapaz misterioso soa como coadjuvante de sua própria história. Na primeira metade da trama, ele é visto como fruto da pressão dos amigos. Após uma reviravolta importante, vira fruto da pressão de seu pai. De qualquer modo, os conflitos nunca partem dele.

    Este é um problema central na apreciação do filme: o público não tem razões para se identificar com o personagem, para compreendê-lo, nem para torcer com ele. O ponto de vista é distanciado, sem julgamentos quanto à responsabilidade de Jesús em cenas de agressão, mas demonstrando um prazer sádico na representação do sexo e da violência. A agressão a um garoto anônimo no parque torna-se particularmente difícil de assistir, não pelo tema em si, mas pela maneira como é filmada: em plano-sequência, em imagens próximas, com os atores cuspindo na cara dos outros e praticando diversas formas de abuso. As cenas de sexo fazem questão de focar no pênis ereto do protagonista, como atestado de veracidade. O próprio título, subversão da figura cristã através de um protagonista bissexual e criminoso, se traduz em mera provocação.

    De certo modo, a direção de Guzzoni lembra aquela praticada por Larry Clark, conhecido pelos retratos amorais da violência juvenil. No entanto, enquanto Clark se filiava a uma estética punk capaz de assimilar os conflitos de cada época (o bullying, os fetiches, o voyeurismo, a AIDS), o cineasta chileno se mostra incapaz de inserir seu discurso num questionamento social preciso, ou de transformar o adolescente irresponsável em sintoma de algo maior. Pior ainda, ele cria a perturbadora sugestão de que crimes homofóbicos possam ser mentiras ou interpretações erradas da mídia sensacionalista.

    Apesar do ganho em “verdade” (leia-se: corpos expostos, sexo real, violência não simulada) e do trabalho competente de fotografia e uso dos espaços, o resultado perde pelo caráter sensacionalista, conivente com os atos de Jesús e seus colegas. O final sádico poderia constituir alguma forma de punição simbólica, no entanto o roteiro apenas reforça a capacidade do roteiro em abandonar o personagem quando lhe convém. Quando Jesús vai embora, o espectador pode questionar o que realmente foi perdido no processo, e o que se ofereceu – como estética, reflexão, forma de cinema – nesta trajetória pop-exploratória da delinquência juvenil.

    Filme visto no 12º Festival de Cinema Latino Americano de São Paulo, em julho de 2017.

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