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    Legalize Já - Amizade Nunca Morre
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Legalize Já - Amizade Nunca Morre

    A voz dos oprimidos

    por Francisco Russo

    A abertura com a imagem grandiosa dos Arcos da Lapa, cartão postal do Rio de Janeiro, é a sintese perfeita do que vem a ser Legalize Já!, cinebiogafia da origem da banda Planet Hemp. Ícone da boemia carioca, a Lapa é um point onde excluídos e outsiders se encontram com as classes mais abastadas, num misto de luta pela sobrevivência e devassidão que faz com que o local pulse intensamente, graças à mistura lá existente e também pela linha tênue entre diversão e preconceito. É este ambiente bagunçado, formado por pessoas para as quais a sociedade muitas vezes vira a cara, que os diretores Johnny AraújoGustavo Bonafé buscam para contar uma história que, mais do que a mera criação de uma banda de sucesso, trata da necessidade dos oprimidos em ter uma voz.

    Esta simples proposta conceitual norteia todo o longa-metragem, seja pela fotografia dessaturada de forma a ressaltar o mundo sem cores (e urbano) retratado ou pelas breves sequências onde se aborda o preconceito de cor e econômico, típicos da sociedade brasileira. Este é o mundo de Skunk e Marcelo, incomodados com a realidade que se expressam através da música. Não por acaso, o encontro fortuito dos futuros parceiros é literalmente na trombada, reflexo das dificuldades enfrentadas de lado a lado no cotidiano.

    A ambientação em um mundo marginal é o grande acerto do longa-metragem, por ressaltar as dificuldades inerentes ao meio para que se possa justificar não só a decisão de migrar para a música mas, também, o porquê do estilo adotado. Muito mais do que o apoio à descriminalização da maconha - acusação que o filme, inevitavelmente, receberá ao ser lançado em circuito comercial -, Legalize Já! aborda a necessidade de reagir, de alguma forma, à opressão diária recebida pela imposição de regras implícitas, estipuladas pela própria sociedade. É o não se sujeitar ao que está programado para você que o filme tanto combate, especialmente a partir da postura adotada por Skunk. É ele, no fim das contas, o grande mentor por trás do que viria a ser o Planet Hemp.

    Neste aspecto, outro grande acerto é a dinâmica existente entre Ícaro Silva e Renato Góes, intérpretes de Skunk e Marcelo - que, futuramente, viria a adicionar a alcunha D2. Se Ícaro brilha ao transitar do medo no olhar devido à sua condição de aidético à força na postura ideológica que traz consigo, Renato se destaca pela bela composição de personagem, do garoto que precisa tomar decisões importantes porque a vida assim lhe impôs. Vale ressaltar ainda a essencial participação de Ernesto Alterio, representando a histórica imagem do mecenas das artes adaptado para a Lapa carioca, cujo olhar demonstra um carinho cativante.

    De forte teor ideológico e com diálogos absolutamente naturais e fluidos, Legalize Já! demonstra uma força impressionante ao retratar a raiva contida da periferia que se manifesta através da música, sempre apresentada de forma pulsante. Há ainda momentos divertidíssimos, como as várias citações ao pagode e o inacreditável show gospel feito pela dupla protagonista. Por outro lado, o filme perde fôlego especialmente em seu terço final, quando passa a focar mais na condição de saúde de Skunk. Por mais que até seja funcional, o modo acelerado como aborda a questão denuncia os problemas de bastidores que a equipe de criação enfrentou até chegar à edição final.

    No melhor filme de sua (ainda) curta carreira, Johnny Araújo demonstra coragem ao trabalhar temas difíceis de forma tão ampla, não só através dos diálogos mas também pela estética empregada ao retratar as agruras da Lapa marginal. Bom filme, feito não só para fãs da banda mas também para todos aqueles que acreditam que o conformismo não é o melhor caminho.

    Filme visto no 19º Festival do Rio, em outubro de 2017.

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    Comentários

    • Wagner Andrade
      Planet Hemp, essa banda mudou minha vida e dos meus amigos, até então o que predominava ou era banda de filhos da classe média, ou banda gringa falando de coisas até inteligentes, mas a realidade deles lá é outra, como citado no próprio filme. Abriu a mente deste, até então jovem, filho da periferia de Osasco-SP, para a realidade que o cercava. Não que já não a conhecesse de perto, mas ainda era muito jovem (15 anos) e ingênuo, acreditando que tudo poderia ser diferente. Sorte a nossa que existem pessoas de espirito mais elevado e que conseguem combater de peito aberto toda a merda que nos é imposta de forma tão brutal e insensível. RIP forever Skunk, e valeu PH !!!
    • Anderson Santos
      Excelente filme, quase parei de ler sua crítica quando você usou a palavra aidética, pois a pessoa não é a doença que ela carrega. Achei a parte final emocionante e a questão dele ser soropositivo do vírus HIV muito bem conduzida.
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