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    Amores Santos
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Amores Santos

    No reino da intolerância

    por Francisco Russo

    O diretor Dener Giovanini teve uma ideia ousada para sua estreia nos longa-metragens: falar sobre a hipocrisia existente por trás dos ataques homofóbicos que acontecem dia sim, no outro também. Mais ainda: abordar a influência da religião, independente de crença, nesta perseguição. Temas complexos e explosivos, que por si só renderiam um filme pesado e necessário, ainda mais nos dias atuais. O problema é que, em Amores Santos, poucos são os momentos em que o diretor consegue explorar a contento o material que tem em mãos.

    É possível dividir o documentário em dois formatos bem definidos, que surgem de forma intercalada. O primeiro tem como estrela maior Darico Macedo, onipresente diante da tela do computador ao estrelar conversas virtuais com supostos padres, pastores, eclesiásticos e demais cargos religiosos. Supostos porque, no filme mesmo, não há comprovação alguma de que a pessoa do outro lado ocupe tal cargo - os indícios surgem através de elementos ao seu redor, como batinas e estátuas de anjos. Certos comportamentos do protagonista, como usar mímica para falar com um italiano, também levantam dúvidas acerca da veracidade do exibido, especialmente na questão de como desenvolveu o relacionamento virtual até chegar neste estágio de sedução via webcam. Por mais que seja compreensível um certo amadorismo, seja pela inexperiência do diretor ou pela dificuldade em obter recursos para um filme com este tema, a repetição de certas cenas na montagem final também soa estranha.

    Diante de tantas dúvidas, levantadas pela forma como o material é exibido, este trecho específico ainda tem como agravante a questão da invasão de privacidade. Se é natural que encontros virtuais onde o sexo é o objetivo a ser atingido tenham textos e imagens cada vez mais picantes, estranho é o fato de que apenas um dos lados autorizou a exibição. Por mais que a imagem do outro esteja sempre desfocada, impedindo o reconhecimento, tal atitude remete a uma certa ética distorcida no sentido de que vale tudo de forma a atingir o objetivo de revelar padres que são gays e praticam sexo virtual, cuja hipocrisia na verdade está em se fingir de celibatário - não há, em nenhum dos casos mostrados no filme, acusações homofóbicas vindas destes supostos padres. Ok, pode-se levantar a questão que seria impossível obter tais cenas se não fosse desta forma, pois dificilmente alguém emitiria tal autorização. Mas, no fim das contas, este trecho é tão importante assim dentro do que o documentário se propõe a ser?

    O segundo formato apresentado comprova que não é tão importante assim. É quando entram em cena entrevistas e material de arquivo, de forma a embasar e aprofundar o contexto da homofobia. Amores Santos tem então o mérito de ouvir vários lados, prós e contra, abordando questões extremamente pertinentes como relações familiares, o mal-estar consigo mesmo diante do preconceito à sua volta e até mesmo consequências drásticas, como agressões e assassinatos motivados pelo ódio. Da mesma forma, o filme apresenta vídeos retirados da internet onde religiosos pregam veementemente contra a homossexualidade, tratando-a como um mal que deve ser curado, ou extirpado. Simples assim.

    Tais afirmações e imagens são extremamente fortes, não apenas pelo lado humano mas também sociológico. São um reflexo do mundo em que vivemos, onde o diferente muitas vezes é apontado como errado e a ignorância não dá margem a qualquer tipo de conversa. É através de depoimentos como os de Edith Modesto e do padre Beto que o filme avança de fato em sua proposta de discutir a homofobia e suas consequências, mesmo que certas questões não sejam tão aprofundadas quanto deveriam. Ainda assim, há material suficiente para provocar uma discussão farta sobre variados temas.

    No fim das contas, Amores Santos peca principalmente por equívocos conceituais em sua idealização. Não apenas em dar espaço igual a formatos tão díspares, em conteúdo e também na execução, mas especialmente por apresentar um vale-tudo em atingir seu objetivo que não combina nem um pouco com um documentário que prega a ética e o fim do preconceito com os homossexuais. Por mais que seja um filme corajoso pelo tema abordado, é extremamente questionável como cinema e também pelo modo como tratou as pessoas filmadas - e, neste ponto, nem tanto por usar as imagens delas sem autorização, mas por mexer com emoções tendo a intenção prévia de apenas explorar aquele momento e abandoná-las em seguida, sem qualquer explicação.

    Filme visto no Rio Festival de Gênero & Sexualidade no Cinema 2016

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